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P. Manuel Barbosa, scj
Marcados pela alegria
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Com a Evangelii gaudium o Papa Francisco acaba de nos oferecer um relevante texto de orientação para a vida da Igreja nos próximos anos. Sobre esta exortação apostólica já muito se escreveu e apalavrou, quer em opinativas tonalidades jornalísticas apelando a destaques e consequente abandono, quer na senda do que o Papa pretende convidando a uma revisitação permanente destas orientações que são em primeiro lugar, insisto neste ponto, para os andamentos da vida dos crentes e das comunidades eclesiais.
A marca da alegria é da essência da identidade cristã. A 22 de dezembro de 2011, num incisivo discurso aos que andam na cúria romana, Bento XVI dizia que a alegria é um dos cinco elementos que fazem parte de «um modo novo e rejuvenescido de ser cristão». Lembramo-nos também do espírito de alegria que marcou a renovação da Igreja no Concílio Vaticano II, sobretudo no célebre discurso de abertura em que João XXIII inicia com o convite «alegre-se a Santa Mãe Igreja» e o início da Gaudium et spes a falar das alegrias e esperanças. São algumas indicações, entre tantas outras. Mas é sobretudo a Palavra de Deus a nos oferecer a marca da alegria a quem quer ser de Cristo, a alegria como dom do Espírito.
Dai que o novo texto do Papa Francisco deva ser recebido, refletido e proposto numa tonalidade profeticamente provocadora, certamente baseado na profunda humanidade do seu autor. E deva ressoar em espirito renovador para uma Igreja que só tem sentido se viver e anunciar com alegria o Evangelho de Cristo de forma simples e despojada, e sempre presente na vida das pessoas.
Como bem tem acentuado o nosso Patriarca Manuel Clemente, participante no último Sínodo donde surgiu esta exortação, o nº 2 é a chave de todo o documento; o individualismo e o consumismo não nos deixam ter espaço para os outros, nem «ouvir a voz de Deus, nem gozar da doce alegria do seu amor, nem fervilhar o entusiasmo de fazer o bem». Uma constatação que nos orienta para as primeiras palavras da exortação, ao focar o que somos, fazemos e anunciamos, no encontro com Jesus e a partir do coração, sempre na alegria do Evangelho: «Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria. Quero, com esta Exortação, dirigir-me aos fiéis cristãos a fim de os convidar para uma nova etapa evangelizadora marcada por esta alegria e indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos».
O nº 25 é outra relevante passagem a dar sentido a toda a exortação, que assume em geral as proposições da última sessão sinodal dos Bispos, mas alarga os âmbitos aí referidos, em entoação concreta para a vida dos cristãos e comunidades. O Papa insiste na orientação programática da exortação com consequências importantes para a vida das comunidades, convidadas a «avançar no caminho de uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão»; não nos serve uma «simples administração», antes devemos constituir-nos em «estado permanente de missão».
Refiro ainda o nº 17, outro pertinente texto para a receção da Evangelii gaudium, em que se apontam diretrizes para encorajar e orientar uma nova etapa evangelizadora que deve estar profundamente imbuída de ardor e dinamismo. A temática do Sínodo sobre a nova evangelização, processo importante para a transmissão da fé hoje, é assumida pelo Papa Francisco na ótica da evangelização, dinamismo essencial da Igreja. Não trata em primeira linha da nova evangelização, processo certamente importante lançado por João Paulo II em 1983, mas da evangelização como dimensão intrínseca à identidade da Igreja.
Escrevo estas linhas no 3º domingo do Advento, marcado pela alegria, após celebrar em comunidades paroquiais, em comunidades religiosas e em comunidades familiares das equipas de Nossa Senhora. Em todas estas diversas situações eclesiais, os discípulos de Jesus Cristo são convidados por Ele mesmo a cuidar do quotidiano estilo evangelizador, sempre marcados pela alegria, que só pode ser a do Evangelho.