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Pedro Vaz Patto
A dignidade da política
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Vai-se propagando cada vez mais a visão da política como uma actividade menos digna, onde parece que para vingar e ter sucesso tenha de se ceder a compromissos no plano da ética. Perigosamente, corre-se o risco de afastar da actividade política as pessoas mais competentes e íntegras, seja porque estas supostamente teriam dificuldade em aí manter a coerência moral, sejam apenas porque receiam dessa forma “queimar” a sua reputação.
Penso que é necessário e urgente contrariar esta visão. E vi reforçada esta convicção quando soube da notícia da nomeação de Andrea Riccardi para ministro do novo governo italiano, com a pasta da integração e da cooperação internacional.
Andrea Riccardi é historiador, especialista na História da Igreja moderna e contemporânea, autor, entre muitos outros livros, da mais recente biografia de João Paulo II (que conheceu de perto), publicada a propósito da sua beatificação.
Fundou em 1968, em Roma, a Comunidade de Santo Egídio, um movimento eclesial hoje presente em todo o mundo. Pensando na actividade deste movimento, alguém o classificou como “apóstolo do diálogo, da paz e do serviço aos pobres”.
O que tem dado mais projeção mediática à Comunidade de Santo Egídio são os seus esforços de mediação de conflitos internacionais, o mais conhecido dos quais foi o da guerra civil em Moçambique, país que conhece desde há anos a paz em grande medida graças a essa ação de mediação. Menos conhecidas e de menor impacte são outras ações de mediação, como na Guatemala ou na Costa do Marfim, algumas mesmo sem qualquer projeção pública. A “O.N.U. de Transtevere” (nome do bairro de Roma onde o movimento tem a sua sede) - este o epíteto que já foi atribuído à Comunidade de Santo Egídio.
Como prolongamento dos encontros de diálogo interreligioso de Assis, a Comunidade de Santo Egídio promove anualmente os encontros Homens e Religiões em várias cidades (fê-lo em Lisboa há cerca de dez anos), que juntam um leque variadíssimo de pessoas de várias religiões, talvez como nenhum outro encontro. De entre muitas outras ações de empenho social promovidas pelo movimento, merece destaque o programa D.R.E.A.M., que dá acesso gratuito a terapias contra a S.I.D.A., com larga difusão também em Moçambique e noutros países de África.
Em 2003, a revista Time considerou André Riccardi um dos trinta e seis “heróis modernos da Europa”. São muitos os prémios e condecorações que recebeu, pelo seu empenho em favor da paz e dos direitos humanos.
Pois bem, André Riccardi aceitou ser ministro, certamente porque viu aí uma oportunidade de continuar a sua missão por outros meios e com um alcance estrutural que ela não teve até aqui. A sua nomeação foi saudada por pessoas e associações de todos os quadrantes. O jornal L´Unità afirmou, a propósito, que «as expectativas são elevadíssimas e o desafio é fascinante». Muitos viram neste facto um sinal simbólico de regeneração para a política italiana (depois da conduta pouco exemplar do anterior primeiro-ministro), necessitada do restabelecimento mais do que da confiança dos mercados financeiros, sobretudo da confiança dos cidadãos.
Mas outros, mais cépticos, pensarão: «em que ninho de víboras se foi meter…»
No momento em que escrevo, não se sabe que sucesso político poderá ter Andrea Riccardi. A conjuntura é das mais difíceis, sobretudo por causa das restrições financeiras, sendo que o campo da cooperação internacional já conheceu nos últimos anos cortes financeiros severos em Itália, como noutros países. É natural que a aprovação consensual da sua acção deixe de existir quando tiver que tomar decisões discutíveis, mas necessárias. Como é hábito dizer-se, a política é a “arte do possível”; mas Andrea Riccardi não deixará de tentar conciliar a utopia que o tem movido com o pragmatismo que agora lhe é exigido.
Mas, sobretudo, mostra com o seu exemplo que a política permite, como dizia Chiara Lubich - fundadora de outro movimento eclesial (o Movimento dos Focolares), por quem ele nutria grande estima (recíproca) -, «alargar os espaços da caridade», dar a esta um horizonte mais vasto. E que, como dizia outro político e intelectual italiano cujo processo de beatificação está em curso, Igino Giordani, um cristão pode santificar-se não «apesar da política», mas, também, «por causa da política».