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António Alçada Baptista
Há dias, com inteira justiça, num colóquio invocativo de António Alçada Baptista na Sociedade Portuguesa de Autores, Frei Bento Domingues, O.P. salientava que a “Peregrinação Interior” é uma das obras mais importantes da literatura portuguesa da segunda metade do século XX, singularizando-se pela sua qualidade única no campo da teologia narrativa.

Estou inteiramente de acordo com ele e julgo que é fundamental regressar à leitura dessa obra, para compreendermos que as reflexões sobre Deus têm muito mais a ver com a vida quotidiana e com os pequenos problemas do dia a dia do que com complexas efabulações abstractas, que têm muito pouco a ver com a mensagem fundamental de Cristo. Santa Teresa de Jesus ou S. João da Cruz, como antes deles o Santo de Assis, fizeram, o seu ensino sempre a partir dessa pedagogia dos pequenos acontecimentos, que tem tudo a ver com as parábolas e com os acontecimentos extraordinários da vida de Jesus da Nazaré, como a cura do leproso. Mounier dizia, por isso, que o acontecimento é o nosso mestre interior. Para quem conheceu o António, sabe bem que ele era um conversador nato, e que cultivava a amizade, a partir de um diálogo delicioso que começava invariavelmente no contar dos pequenos episódios da vida real ou dos tipos inesquecíveis. Era assim que ele procurava dizer que valia sempre a pena tentar compreender as pessoas, desde os maluquinhos até às mais altas referências humanas (o Padre Varzim ou Lanza del Vasto). Para muitos, o António era um boémio de coração mole. Conheci-o, no entanto, sempre a trabalhar no duro e a combater pela liberdade e para endireitar o mundo. E tinha a tendência, quando as pessoas corriam para um dos lados da barca, para ir logo no sentido contrário… Não se levava muito a sério, é certo, e partilhava essa qualidade com os seus amigos Alexandre O’Neill e José Rabaça. Mas isso dava-lhe a fantástica disponibilidade de espírito para os outros e por isso apoiou tanta gente desinteressadamente. Pensava intimamente que “Cristo é um caminho para Deus e que a porta que nos é aberta é uma porta de amor. Mas o pior é que a gente não sabe ainda o que é o amor por maior que seja a nostalgia de uma afectividade envolvente que nos abranja a todos e na qual a gente comparticipe com a alma e com o corpo”. E assim foi um peregrino que acreditava no caminho para o que Sophia designava como a dignidade do ser…, mas acessível a todos.