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Tanto a gregos como a bárbaros... (por Guilherme d?Oliveira Martins)
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Tanto a sábios como a ignorantes eu sou devedor.
S. Paulo, Carta aos Romanos.
A palavra crise continua a marcar a vida das sociedades ocidentais e da portuguesa em especial. Os ecos da encíclica “Caritas in Veritate” tornam-se cada vez mais actuais e pertinentes. Fala-se demais de depressão e menos de esperança, e é fundamental ouvir a mensagem cristã. «Quem escuta as Minhas palavras e as põe em prática é como o homem prudente que edificou a casa sobre a rocha. Caiu a chuva, engrossaram os rios, sopraram os ventos contra aquela casa; mas não caiu, porque estava fundada na rocha» (Mt., 7, 24-25). Eis a lição futura que temos de reter. Impõe-se lançar o desafio de «renovar a Igreja» e «animar a sociedade». Renovar a vida eclesial em nome da exigência de uma mais efectiva partilha de responsabilidades, no contexto duma sociedade pluralista e diversa. Há, no fundo, que assumir a vida comunitária, à imagem e semelhança da experiência dos Actos dos Apóstolos. Então dizia-se desses primeiros cristãos: «Vede como eles se amam». E nós que temos a dizer? Procuramos reencontrar a pureza do amor cristão? O amor do próximo e o cuidado (a palavra caridade foi esquecida?) relativamente aos outros constituem factores essenciais no sentido da dignidade da pessoa humana, que, nas suas origens, a actual crise financeira, económica e social esqueceu. Daí a necessidade de voltarmos a ouvir o apelo de João XXIII relativamente aos sinais dos tempos. Importa estarmos atentos à sociedade que nos rodeia e aos acontecimentos que a caracterizam, sabendo ligar os sinais de Deus aos acontecimentos quotidianos. Flannery O’Connor dizia que a Graça apenas pode ser vista e compreendida plenamente quando a liberdade a pretende suspender. Assim entenderemos a sua ausência. Isso mesmo também no-lo disseram romancistas como Dostoievski em «Os Irmãos Karamazov», Léon Bloy em «La Femme Pauvre», Georges Bernanos em «Journal d’un Curé de Campagne» ou Graham Greene em «O Poder e a Glória». João XXIII afirmou: «Contrasta clamorosamente com essa perfeita ordem universal (criada por Deus) a desordem que reina entre indivíduos e povos, como se as suas relações mútuas não pudessem ser reguladas senão pela força» (P.T., introdução). Para além da renovação da Igreja, do seu «aggionamento», é urgente animar a sociedade – tornando-a dinâmica, renovada e sobretudo centrada nas pessoas e na humanidade. A sociedade livre e responsável tem as suas raízes nas “Bem-Aventuranças”, daí que perante o predomínio da ilusão, das aparências e do imediatismo, devamos olhar o tempo largo e o futuro. O mau general é o que discute a razão da última batalha perdida. Pelo contrário, o que importa é preparar-nos para a próxima batalha, tirando lições da experiência. «Para a frente é que é caminho!». A tentação de criar bodes expiatórios no passado para aquietar as consciências não é assumir a responsabilidade, mas torná-la difusa e vã. A responsabilidade exige a resposta (essa a sua etimologia), o que só é possível através da compreensão, da antecipação e da acção. Como recordava, há tempo, o Padre José Tolentino Mendonça: «O Evangelho para ser vital tem de ser recebido como palavra transformante, como fermento colocado na massa. O cristianismo não coincide com nenhuma realidade política, mas em todas introduz uma tensão de amor, de justiça e de verdade. O cristianismo tem um sonho. Aqueles cristãos que dizem: ‘Eu não quero sujar as mãos na realidade do mundo’, como lembra Charles Péguy, acabam rapidamente por ficar sem mãos». («O Hipópotamo de Deus e outros textos», Assírio e Alvim, 2010, p. 64). Temos, pois, de assumir a ousadia da esperança, que significa pôr em primeiro lugar o que pode unir-nos. A conversão moderna (como sempre aconteceu) obriga à criatividade, à coragem de agir, à demanda da Verdade e da Vida, num mundo de incerteza. Quem tem ouvidos que oiça!