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Um tesouro escondido (por Guilherme d?Oliveira Martins)
“O Tesouro Escondido – Para uma Arte da Procura Interior” (Paulinas, 2011) de José Tolentino Mendonça é obra de um poeta consagrado sobre temas de espiritualidade contemporânea, escritos à luz da conhecida parábola de S. Mateus (13, 44-46), segundo a qual o Reino do Céu é semelhante a um tesouro escondido num campo.

Um homem encontra-o e volta a escondê-lo. Cheio de júbilo, vende tudo e compra o campo… Esse campo é comparável ao exemplo do negociante em busca de boas pérolas. Uma vez encontrando uma pérola de grande valor, o homem vende tudo o que tem e compra a pérola. A metáfora é atraente e tem sido usada para descrever situações muito diversas – ligadas à procura de um bem, de um valor ou de uma riqueza. Jacques Delors, quando elaborou o relatório sobre a Educação para o século XXI, na UNESCO, deu como título a esse importante documento “Um Tesouro Escondido”, para significar como a aprendizagem é uma riqueza fundamental. E não é por acaso que falo de aprendizagem porque essa é a verdadeira riqueza, para além de todos os programas sobre o tema. E, na linha dessa imagem do tesouro, o escritor cita S. Kierkegaard, quando este afirmava e recomendava “a deliciosa ocupação de deixar amadurecer um segredo”. As referências a um tesouro e um segredo significam, aliás, a procura do que verdadeiramente pode valer.

Procurar perceber quem somos, compreendendo-nos, exige capacidade de dar e receber, entendimento que leva a tirar consequências do largo caminho para a condição humana, entre a solidão e a companhia, entre o silêncio e o barulho, entre ser e não ser (que Agostinho da Silva dizia contrapor-se, na nossa cultura, à alternativa de Hamlet, ser ou não ser). E se falo do dar e do receber, recordo que a arte de educar e de aprender exige sempre a ligação biunívoca do mestre e do aluno. José Tolentino Mendonça trata no livro de diversos temas, bem ilustrados nos respectivos títulos – a lâmpada de Deus não se apagou; acende a tua candeia, os velhos deveriam ser como os exploradores, Deus faz-me sorrir, a nossa vida é uma paisagem onde Deus se vê, mostra-nos o Pai reconciliar-se com a beleza, rezar até à impossibilidade de rezar, a pergunta do meio caminho, Emaús laboratório da fé pascal, mais do que viajantes, peregrinos, e «Magnificat» é talvez o mais belo poema... Através deste roteiro é a vida interior que é procurada com argumentos persistentes e acessíveis. O tema da beleza e do bem tem uma especial atenção. Invoca-se a afirmação ou o verdadeiro repto de Bento XVI no Centro Cultural de Belém: «Fazei coisas belas, mas sobretudo fazei das vossas vidas lugares de beleza». Não é paradoxal a relação entre Jesus Cristo e a beleza? No entanto, podemos chegar à compreensão de que «beleza é verdade e verdade é beleza». E temos de entender que «em Cristo sofredor também se aprende que a beleza da verdade acolhe igualmente a ofensa, a dor e mesmo o sombrio mistério da morte, e que ela só pode ser encontrada quando se aceita o sofrimento, não quando se procura ignorá-lo» (como diz o Papa).

O justo e o verdadeiro constituem os valores perenes que não podemos deixar de ter sempre presentes. Daí a necessidade de uma reconciliação com a Beleza do cristão, «tão decisiva na maturidade de um percurso espiritual». E o Mestre Ekhart deixa-nos a invectiva sublime: «É preciso que haja silêncio, ali onde essa presença deve ser percebida». Experiência do amor, silêncio, procura e descoberta, segredo, paradoxo, incindibilidade entre razão e fé, dignidade das pessoas, universalismo do respeito – eis a multiplicidade de temas e de apelos que o escritor nos traz com este “Tesouro Escondido”. E, surpreendentemente, sobretudo talvez para os mais distraídos, para aqueles que não viram que a alegria, feita de humor e ironia, mas também de inteligência arguta e de sentimento, leva à essência da vida, conduzindo-nos à riqueza de “O Riso de Deus”, título da obra de António Alçada Baptista, cujo tema muito ajuda à alegria que permite chegar à transcendência. Talvez por isso no capítulo 21 do Livro do Génesis, quando Sara dá à luz o seu filho, que já não esperava poder ver nascido, dá ao bebé o nome de Isaac, que significa literalmente: “Deus sorriu”.