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Transformação, transformações. (por Guilherme d?Oliveira Martins)
Para o Cónego Miguel Ponces  de Carvalho no 80º. aniversário

 

As transformações sociais têm uma influência indiscutível na experiência religiosa. Há pouco tempo, Gianni Vattimo chamava, por exemplo, a nossa atenção para o facto de os desafios europeus perante os quais se encontra a Igreja Católica serem diferentes dos que ocorrem na América do Sul ou em África - apesar das complementaridades. Há virtualidades que devem ser consideradas, como o diálogo, cada vez mais fecundo, entre a religião e a ciência ou entre a fé e a razão, não devendo esquecer-se a comunicação entre as diferentes culturas, num momento em que a cultura da paz exige um esforço acrescido de diálogo entre as religiões.

A secularização é um sinal dos tempos, como tem sido salientado pelo pensador canadiano Charles Taylor. Essa circunstância obriga a que haja novas respostas por parte da Igreja Católica e das diversas religiões, de modo a impedir o clericalismo e o anti-clericalismo ou o laicismo dogmático como factores de empobrecimento espiritual e social. A laicidade, sem adjectivos, é um sinal de maturidade e de enriquecimento para as sociedades contemporâneas - envolvendo a liberdade religiosa e o respeito pelas convicções religiosas, como salientou o Concílio Vaticano II.

Nova evangelização é uma expressão legítima, que merece especial atenção, desde que inserida numa sociedade aberta e consciente da importância dos valores espirituais. Mais do que uma estratégia de comunicação, deve corresponder fundamentalmente a uma tomada de consciência sobre a importância do fenómeno religioso (como tem sido salientado por personalidades tão diferentes como Umberto Eco e Regis Debray). Para os cristãos, o Evangelho de Jesus Cristo deve corresponder à procura de compreensão e de desenvolvimento numa sociedade baseada na eminente dignidade da pessoa humana. A complexidade actual obriga a agir em vários campos da sociedade. A pastoral do amor e do cuidado (a prática da caridade) deve orientar-se para a sociedade plural e diversa, segundo a compreensão das diferentes vocações e serviços. Hoje o “Ver, Julgar e Agir” tem de se adequar, com sentido pessoal e comunitário, a uma realidade heterogénea caracterizada pelos progressos alcançados na educação, na cultura e na ciência, na economia e na sociedade. Daí a necessidade de uma pastoral inteligente, diversificada, assente na sabedoria e na experiência do amor. O “aggiornamento” do Concílio Vaticano II tem de se renovar permanentemente.

Uma decisão ética para os cristãos tem de se basear sempre na Pessoa de Jesus Cristo e na dignidade universal da pessoa humana. O que está em causa é a responsabilidade para com o outro, de que fala Emmanuel Lévinas, bem como a preservação do pluralismo e do respeito mútuo entre todos. Não podemos esquecer, assim, que a ética da convicção e a ética da responsabilidade, de Max Weber, se ligam intimamente, referindo-se também ao fenómeno religioso - mesmo que o mínimo ético seja na essência cívico.

Não há (não pode haver) uma única fórmula de acção para as diferentes circunstâncias - disso não pode haver dúvidas. O melhor método de acção e de compromisso terá de passar sempre pela lógica do fermento na massa ou do grão de mostarda. Como diz o Salmo 24: "Todos o caminhos do Senhor são graça e fidelidade para aqueles que guardam sua aliança e seus preceitos".

Numa obra que acaba de ver a luz do dia ― “O Tesouro Escondido – Para uma arte da procura interior” (Paulinas, 2011) ―, o Padre José Tolentino Mendonça diz que “sabemos bem em quem colocámos a nossa confiança” e cita Sophia de Mello Breyner: “Apenas sei que caminho / como quem é olhado, amado e conhecido / E por isso em cada gesto ponho / solenidade e risco.”.