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Consensos e fracturas
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Uma reportagem da edição de 19 de Maio do Diário de Notícias debruçava-se sobre a forma como a questão do casamento homossexual seria abordada nas escolas, deixando pairar algumas dúvidas.
Em Espanha, na sequência da aprovação desta reforma, o Governo tem desencadeado, através do sistema de ensino (em particular, da disciplina de “Educação para a Cidadania”) uma verdadeira campanha tendente à transformação de mentalidades no sentido da aceitação da legitimidade da prática homossexual e de uma nova concepção de família que inclua as uniões entre pessoas do mesmo sexo, tudo à luz da chamada “ideologia do género”. Contra esta imposição, muitos pais e mães têm reagido, invocando a primazia dos seus direitos de educação dos filhos, e mesmo a objecção de consciência perante a obrigatoriedade de frequência da referida disciplina de “Educação para a Cidadania”. Têm-se sucedido os processos judiciais daqui decorrentes.
Compreende-se a atitude do Governo espanhol: uma reforma estruturante (ou desestruturante) imposta de cima, contra a cultura tradicional e sem um substrato social que a sustente de forma espontânea (como é o caso, lá e aqui) só produzirá os efeitos por muitos pretendidos quando se der a referida transformação de mentalidades. Mas esta pretensão de “engenharia social” e transformação de mentalidades com recuso ao aparelho estadual é mais própria de um Estado totalitário do que de um Estado que respeita a autonomia e o pluralismo da sociedade civil.
De acordo com o artigo 43º, nº 2, da Constituição portuguesa, o Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas. E, nesta linha, a lei que regula a educação sexual em meio escolar (Lei nº 60/2009, de 6 de Agosto) impõe, quanto à orientação que a esta deve ser dada, o respeito «pelo pluralismo das concepções presentes na sociedade portuguesa» (artigo 2º, a).
Estas regras não impedem que o sistema de ensino veicule, no âmbito da formação moral e cívica, princípios que, de forma consensual, estruturam a vida comunitária e alicerçam a sua coesão, como a dignidade da pessoa humana, os direitos humanos, a solidariedade ou a unidade nacional. A esta luz, consensual é o respeito pela dignidade das pessoas de orientação homossexual, não a legitimidade moral da prática homossexual, as “novas concepções” de família e casamento, ou a “ideologia do género”. Estas são questões “fracturantes”, que dividem profundamente a sociedade portuguesa, sobre que o sistema de ensino não tem que tomar partido, mesmo que o legislador o tenha feito dentro de um quadro constitucional que (como voltou a reconhecer o Tribunal Constitucional) admite várias opções.
Quando se perspectiva a implementação da educação sexual nas nossas escolas, é bom ter presente estes princípios. Há que evitar entre nós o clima de crispação e violento confronto ideológico que têm conhecido as escolas espanholas desde a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Um clima maléfico sob várias perspectivas, como muitos reconhecerão.