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Estado solidário?, por Hermínio Rico, sj.
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Pode mesmo ser que tenhamos, como sociedade, no geral e em média, ultrapassado irresponsavelmente os nossos limites. Andaremos a consumir muito acima dos recursos que temos e isso implica que agora é preciso recuar, fazer sacrifícios, cortar coisas a que já nos tínhamos habituado mas que, de verdade, não tínhamos ainda capacidade para definitivamente as fazermos parte do nosso nível de vida. Será preciso regressar à realidade. De facto, ainda somos mais pobres do que pensávamos e teremos que voltar a viver dentro das nossas posses. Há que acordar. Não será fácil. E poderá até ser pedagógico um certo tratamento de choque.
Mas há valores que, independentemente de sermos mais ricos ou mais pobres, não podemos pôr em causa. Valores que têm que estar acima e orientar as opções de política económica. Só assim é que se poderá continuar a respeitar o princípio de que a economia é para as pessoas e deve estar sempre ao serviço das pessoas. Um desses valores é a solidariedade, o compromisso enquanto comunidade de termos um cuidado particular e um apoio efectivo aos membros mais desfavorecidos da nossa sociedade. É aqui que entra a perplexidade. Quando se torna inadiável cortar, gastar menos, como é que entre as primeiras parcelas que sofrem redução estão os subsídios de desemprego e as prestações sociais? Porque são precisamente partes da despesa pública destinadas a ajudar os mais necessitados, a garantir-lhes um mínimo (às vezes mesmo muito mínimo) de acesso á satisfação das suas necessidades básicas.
Poderia até ter que se chegar a cortar também aí. Mas apenas depois de se ter actuado energicamente sobre todas as outras fontes de despesa, sobretudo sobre aquelas que menos servem o bem comum com eficiência, já para não falar de tanta coisa que parece que só se pode compreender que continue a existir porque dá vantagens particulares, suporta clientelismos ou interesses corporativos. Todos sabemos que não há pouco disso, mas, até agora, não se viram medidas corajosas de ataque a esses desperdícios, de racionalização administrativa e de extinção de organismos parasitas. Ninguém pode acreditar que já se esgotaram todas as outras possibilidades de poupanças.
Usa-se, para ajudar alguma a justificação, o argumento de que haverá aí também desperdício e aproveitamentos indevidos. Certamente, como em todos os programas e todos os níveis de subsidiação e aplicação de despesa pública. Será assim tão significativo em termos totais na conta da despesa? Suficientemente significativo para se correr o risco de excluir cidadãos da nossa comunidade social em verdadeira situação de necessidade do acesso a esses apoios?
Como sociedade, globalmente, poderemos ter que baixar o nosso nível de despesa. Mas essa redução tem que ser orientada pelos critérios da justiça social e da solidariedade, não o da facilidade economicista, muito menos o da cobardia política apadrinhadora de interesses.