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Guilherme d'Oliveira Martins
Paz na terra, compromisso sério
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A Santa Sé acaba de divulgar o tema da mensagem do Papa Leão XIV para o Dia Mundial da Paz de 2026. Num momento especialmente crítico na cena internacional, em que há um especial envolvimento dos diversos intervenientes no processo, o Papa convida a humanidade a rejeitar a lógica da violência e da guerra, para abraçar uma paz autêntica, fundada no amor e na justiça. Mais do que acordos precários, torna-se urgente criar condições para uma paz duradoura, que possa permitir haver condições fundamentais de justiça, pondo termo a uma onda de ódio e de violência, que cada vez mais causa muitas vítimas civis, em especial muitas crianças inocentes e indefesas. Por isso, o Sumo Pontífice diz que essa paz deve ser “desarmada”, ou seja, não pode ser baseada no medo, na ameaça ou nas armas; por outro lado, deve ser também “desarmante”, porque capaz “de dissolver conflitos, abrir corações e gerar confiança, empatia e esperança”. Não basta, assim, invocar a paz, é preciso encarná-la num estilo de vida que rejeite toda a forma de violência, visível ou estrutural. Recorda-se, deste modo, que a saudação de Cristo Ressuscitado, “A paz esteja convosco” (cf. Jo 20,19), é um convite dirigido a todos – crentes, não crentes, responsáveis políticos e cidadãos – para edificar o Reino de Deus.
Neste final do Ano Jubilar, sob a evocação da Esperança, devemos recordar de novo as Encíclicas do Papa Francisco, “Laudato Si’” e “Fratelli Tutti”. De facto, a cultura da paz obriga a termos presente quer o compromisso com a Natureza e o nosso Planeta ameaçado, quer a atenção e o cuidado para com os nossos irmãos vítimas de injustiça e de violência ou de indiferença. Os acordos de Gaza exigem ainda muito da comunidade internacional e dos cidadãos. Do mesmo modo, a persistência das dramáticas condições que rodeiam a guerra da Ucrânia obriga a um empenhamento para que seja posto termo à espiral de violência que continua a suceder. De facto, não basta a boa intenção formal de desejar a celebração de acordos puramente formais sem consequências práticas. Económica e financeiramente, o mercado negro das armas e a lógica transacional não nos conduz por bons caminhos. Contudo, é necessário conceber, acreditar e agir de forma que o efeito positivo dos esforços sérios se torne possível no sentido de alcançar os objetivos defendidos pelo Papa Leão XIV. Como calar as armas? Como afirmar os princípios de direito internacional, fazendo-os respeitar? Como conseguir uma paz desarmada e desarmante? As condições concretas não se alcançam espontaneamente. Só um equilíbrio de poderes permite a dissuasão, que tem faltado, e que tem de ir além da perspetiva de mero negócio.
Há momentos na História em que a afirmação dos princípios é mais importante do que ter vitórias circunstanciais, que apenas podem fragilizar esses valores. O tempo confirmará o bem fundado da justiça. O mesmo se diga relativamente aos discursos negacionistas e à tentativa de iludir as consequências da destruição da natureza, do aquecimento global e das desigualdades, bem como à recusa de se ver que a ciência não pode ser esquecida. Recordemos as palavras do Papa Francisco em “Laudato Si’”: “Precisamos duma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação integral, abrangendo num diálogo interdisciplinar os vários aspetos da crise. Muitas vezes, a própria política é responsável pelo seu descrédito, devido à corrupção e à falta de boas políticas públicas. Se o Estado não cumpre o seu papel numa região, alguns grupos económicos podem-se apresentar como benfeitores e apropriar-se do poder real, sentindo-se autorizados a não observar certas normas até se chegar às diferentes formas de criminalidade organizada, tráfico de pessoas, narcotráfico e violência muito difícil de erradicar. Se a política não é capaz de romper essa lógica perversa e perde-se também em discursos inconsistentes, continuaremos sem enfrentar os grandes problemas da humanidade. Uma estratégia de mudança real exige repensar a totalidade dos processos e estruturas, pois não basta incluir considerações ecológicas superficiais enquanto não se puser em discussão a lógica subjacente à cultura atual. Uma política sã deveria ser capaz de assumir este desafio”.
Olhamos impotentes a situação do mundo e lembramos o que afirmou o Papa João XXIII na encíclica “Pacem in Terris”: “Fazemos ardentes votos que a Organização das Nações Unidas, nas suas estruturas e meios, se conforme cada vez mais à vastidão e nobreza de suas finalidades, e chegue o dia em que cada ser humano encontre nela uma proteção eficaz dos direitos que promanam imediatamente de sua dignidade de pessoa e que são, por isso mesmo, direitos universais, invioláveis, inalienáveis. Tanto mais que hoje, participando as pessoas cada vez mais ativamente na vida pública das comunidades políticas, denotam um interesse crescente pelas vicissitudes de todos os povos e maior consciência de serem membros vivos de uma comunidade mundial” (PT. 197). É oportuno que o Dia Mundial da Paz tenha um tema atual e premente. João XXIII insistiu na atenção aos sinais dos tempos. Isso significa que não podemos abandonar a determinação das opiniões públicas em pôr a tónica na tomada de consciência da dureza da realidade com todas as suas consequências.
Guilherme d’Oliveira Martins