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Guilherme d'Oliveira Martins
Sob a invocação da Esperança
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A presença em Portugal do Cardeal Pietro Parolin constituiu um acontecimento que merece destaque, uma vez que teve lugar no âmbito do Ano Jubilar de 2025, que vivemos sob a invocação da Esperança. As palavras que o Secretário de Estado da Santa Sé proferiu na Fundação Calouste Gulbenkian constituem afirmações de especial importância, considerando o momento que hoje se vive de incerteza, de guerra em fragmentos e de ausência de regulação no sentido da paz. O Compromisso com a Cidade constitui uma exigência destes tempos de instabilidade, pelo que a proposta de sermos Peregrinos da Esperança revela uma especial responsabilidade para todos. Neste Jubileu das Autoridades houve, assim, um apelo muito forte no sentido de haver um empenhamento para que compreendamos os sinais dos tempos, de modo a criar condições para uma cultura de paz e de justiça, onde todos caibam, como foi muito claramente proclamado pelo Papa Francisco e hoje continua a ser proposto por Sua Santidade o Papa Leão XIV. Nesta ocasião a palavra Autoridades liga-se à capacidade de assumir o serviço público com todas as suas consequências, ligando-se a uma etimologia que enaltece a qualidade criadora como fator de partilha e de salvaguarda do cuidado, da atenção aos outros e do bem comum. Apesar de continuarmos a ser vozes que clamam no deserto, importa não desistirmos, persistindo na mobilização de vontades em prol da Justiça. Não esquecemos o exemplo de S. Tomás Morus, patrono da vida política, ele mesmo símbolo de sacrifício máximo perante a razão de Estado, mas lembramos outros casos contemporâneos de cidadãos exemplares como Robert Schuman um dos pais fundadores da União Europeia ou Giorgio La Pira, síndaco de Florença, cujo exemplo de cristão defensor da democracia, dos direitos fundamentais e do respeito mútuo está bem presente em todos nós.
Como afirmou o Cardeal Parolin: “Neste tempo complexo e marcado por profundas fraturas, sentimos uma necessidade que precede até o dever: a de voltar a falar, com coragem e verdade, da dignidade humana. Uma dignidade que não é concedida, mas reconhecida; que é infinita e inalienável, própria de cada homem e cada mulher, sem qualquer exclusão”. E é esta dimensão universal da dignidade da pessoa humana que tem de se assumir como prioridade absoluta, quando na cena internacional assistimos a uma onda de horrores com muitas vítimas inocentes da cegueira humana e da recusa do primado do direito e da justiça. Deste modo, “num mundo que tantas vezes parece perder a direção, é importante recordar que a esperança não é apenas um conceito abstrato, mas uma promessa concreta; neste tempo de crescente complexidade global, somos todos chamados – como cidadãos responsáveis e profissionais do compromisso público – a promover o humano e a sua dignidade com um olhar amplo, integral e profundo.”
Perante os apelos pungentes de tantos inocentes, civis, mulheres e crianças, devemos recordar especialmente as recentes palavras do Papa Leão XIV: «Farei todos os esforços para que a paz se propague. A Santa Sé está disponível para que os inimigos se encontrem e se fitem nos olhos, para que aos povos se devolvam a esperança e a dignidade que merecem, a dignidade da paz. Os povos querem a paz e eu, com o coração nas mãos, digo aos responsáveis dos povos: encontremo-nos, dialoguemos, negociemos! A guerra nunca é inevitável, as armas podem e devem ser silenciadas, pois não resolvem os problemas mas só os aumentam; pois ficará na história quem semeia a paz, não quem ceifa vítimas; pois os outros não são sobretudo inimigos, mas seres humanos: não vilões a odiar, mas pessoas com quem falar”. Deste modo, o Papa é muito claro: “Rejeitemos as visões maniqueístas típicas das narrações violentas, que dividem o mundo entre bons e maus. A Igreja não se cansará de repetir: silenciem as armas!”
O que estamos a assistir hoje obriga-nos a refletir. Os sinais dos tempos trazem palavras de violência e os seus ecos. As instituições têm dificuldade em funcionar normalmente. A sociedade civil tarda em fazer-se ouvir. Faltam instrumentos de mediação que facilitem a representação e a participação dos cidadãos. Nestas condições, emerge a tentação do apelo às intervenções de um falso messianismo, do mesmo modo que prevalecem as lógicas mercantis, como se tudo fosse transacionável. Deve recordar-se a atualidade da Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”, capaz de abranger todos os homens e mulheres de boa vontade. A palavra todos tem, assim, um significado amplo, unificador e diferenciador. Para tanto, a justiça e a paz constituem desígnios que obrigam a uma grande determinação, capaz de superar as resistências, os equívocos e as ilusões. A verdade e a vida tornam-se assim sinais de sinceridade. Há pontes que têm de se estabelecer, diálogos a aprofundar, esperanças a cultivar.
As palavras do Cardeal Secretário de Estado e o apelo do Papa ecoaram numa casa de cultura como é a Fundação Calouste Gulbenkian, sob a inspiração do seu fundador, defensor das Artes e do diálogo entre Ocidente e Oriente. Foi bom ouvir as palavras que recordamos com especial ênfase. Que a Justiça e a Paz se tornem deveres da Humanidade toda.
Guilherme d’Oliveira Martins