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Guilherme d'Oliveira Martins
A Igreja precisa de todos
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Leia-se com atenção as palavras dirigidas pelo Papa às Igrejas Orientais por ocasião do jubileu em 14 de maio de 2025. Simbolicamente e tocando o tema fundamental da unidade e coerência dos cristãos, o Papa Leão XIV afirmou: «A Igreja precisa de vós! Como é grande a contribuição que o Oriente cristão nos pode oferecer hoje! Quanta necessidade temos de recuperar o sentido do mistério, tão vivo nas vossas liturgias, que abrangem a pessoa humana na sua totalidade, cantam a beleza da salvação e suscitam o enlevo pela grandeza divina que abraça a pequenez humana! E como é importante redescobrir, também no Ocidente cristão, o sentido do primado de Deus, o valor da mistagogia, da intercessão incessante, da penitência, do jejum, do pranto pelos pecados, próprios e de toda a humanidade (penthos), tão típicos das espiritualidades orientais! Por isso, é fundamental valorizar as vossas tradições sem as diluir, talvez por praticidade e comodidade, para que não sejam corrompidas por um espírito consumista e utilitarista». Nesta linha de pensamento, o Papa procura ir ao encontro das virtualidades de um verdadeiro diálogo centrado nos valores essenciais: «As vossas espiritualidades, antigas e sempre novas, são medicinais. Nelas, o sentido dramático da miséria humana funde-se com a admiração pela misericórdia divina, de tal modo que as nossas baixezas não provoquem desespero, mas convidem a acolher a graça de ser criaturas curadas, divinizadas e elevadas às alturas celestiais. É preciso louvar e dar graças incessantes ao Senhor por isto!».
Contudo, o Sumo Pontífice não se limita à afirmação de grandes princípios. Encara frontalmente a grave situação internacional e o tema das guerras em curso, afirmando: «Farei todos os esforços para que esta paz se propague. A Santa Sé está disponível para que os inimigos se encontrem e se fitem nos olhos, para que aos povos se devolvam a esperança e a dignidade que merecem, a dignidade da paz. Os povos querem a paz e eu, com o coração nas mãos, digo aos responsáveis dos povos: encontremo-nos, dialoguemos, negociemos! A guerra nunca é inevitável, as armas podem e devem ser silenciadas, pois não resolvem os problemas mas só os aumentam; pois ficará na história quem semeia a paz, não quem ceifa vítimas; pois os outros não são sobretudo inimigos, mas seres humanos: não vilões a odiar, mas pessoas com quem falar. Rejeitemos as visões maniqueístas típicas das narrações violentas, que dividem o mundo entre bons e maus. A Igreja não se cansará de repetir: silenciem as armas! E gostaria de dar graças a Deus por aqueles que, no silêncio, na oração, na oferta, tecem fios de paz; e aos cristãos - orientais e latinos - que, sobretudo no Médio Oriente, perseveram e resistem nas suas terras, mais fortes do que a tentação de as abandonar. Aos cristãos deve ser dada a oportunidade, não apenas palavras, de permanecer nas suas terras com todos os direitos necessários para uma existência segura. Por favor, que se lute por isto!».
O apelo feito de um modo veemente não se limita a dirigir-se intra muros, procura ser ouvido “urbi et orbi”. «Que as vossas Igrejas sirvam de exemplo e os Pastores promovam com retidão a comunhão, especialmente nos Sínodos dos Bispos, para que sejam lugares de colegialidade e de autêntica corresponsabilidade. Que haja transparência na gestão dos bens, que se dê testemunho de humilde e total dedicação ao povo santo de Deus, sem apego às honras, aos poderes do mundo e à própria imagem. São Simeão, o Novo Teólogo, indicava um bom exemplo: «Assim como alguém, lançando pó sobre a chama de uma fornalha ardente, a apaga, do mesmo modo as preocupações desta vida e toda a espécie de apego a coisas mesquinhas e sem valor destroem o calor do coração aceso nos primórdios» (Capítulos práticos e teológicos, 63). O esplendor do Oriente cristão exige, hoje mais do que nunca, a libertação de toda a dependência mundana e de quaisquer tendências contrárias à comunhão, para ser fiel na obediência e no testemunho evangélicos». Esta passagem é muito significativa, uma vez que, além do apelo a que haja uma influência positiva no sentido da paz, também se definem caminhos claros de colegialidade e de corresponsabilidade. Por outro lado, trata-se de construir uma Igreja pobre e com sobriedade, sem apego às honras e ao luxo, apta a contribuir para uma administração justa dos recursos que nos são atribuídos em comum, em lugar de uma economia que mata. Nota-se, assim, que são dados sinais claros e inequívocos sobre as orientações necessárias do novo pontificado: gestos concretos no sentido da construção da paz, da mobilização da sociedade com tal objetivo, do respeito inteiro pelo bem comum, da participação de todos com um papel acrescido da mulher, do espírito de serviço, do cuidado e da atenção ao próximo, da colegialidade e da corresponsabilidade no aprofundamento do método sinodal.
Personalidade diferente da de Francisco, o Papa Leão XIV apresenta um programa de continuidade e de reforma segundo uma atitude, que se deseja de coragem e determinação, no sentido do combate pela justiça e pela paz, com a tomada de consciência de que há passos concretos que terão de ser dados ao encontro dos grandes desafios da sociedade contemporânea, com preservação da unidade e da coerência e salvaguarda da dignidade humana para todos. Será um caminho difícil que exigirá o despertar das consciências para a ponderação de fatores contraditórios numa sociedade receosa e dividida entre a indiferença e a ilusão, entre a certeza e a imperfeição.
Guilherme d’Oliveira Martins
foto por Vatican Media