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Guilherme d'Oliveira Martins
Compreender as coisas novas do mundo

A eleição do Papa Leão XIV constitui um motivo de esperança para o mundo contemporâneo. Natural de Chicago tem um longo percurso de missionário no Peru, o que constitui um importante sinal no sentido da compreensão da complexidade social e humana do mundo, numa circunstância muito difícil como aquela que vivemos. A escolha do nome recorda-nos o fundador do que designamos como doutrina social da Igreja. Com efeito, Leão XIII, o Papa da encíclica “Rerum Novarum” de 15 de maio de 1891, iniciou uma nova fase na vida da Igreja, compreendendo a sociedade em mudança. Afinal, em cada momento, somos chamados a entender as coisas novas que a sociedade nos reserva. No final do século XIUX era a industrialização, hoje a emergência da Inteligência artificial. Lembramo-nos bem como o Bom Papa João XXIII dirigiu a encíclica “Pacem in Terris” a todas as pessoas de boa vontade. A escolha agora de um desafio semelhante é, a todos os títulos, essencial. Esta escolha merece uma atenção especial, uma vez que significa um compromisso com os sinais dos tempos e com as pessoas concretas. Daí a relevância da pobreza e das injustiças – a partir não de uma conceção assistencialista ou da aceitação de uma fatalidade. Impõe-se uma ação estruturada, solidária e sistemática, considerando a caridade como atenção aos outros e como cuidado, numa lógica de respeito e integração de todos. Prossegue-se, assim, o que o Papa Francisco considerou em “Frattelli Tutti” como uma Igreja de saída, ao encontro de quem de nós precisa.

Na linha da primeira intervenção sobre o respeito e a Paz, o Papa tem apelado ao fim da violência, que ameaça a humanidade, evocando os 80 anos do fim da II Guerra Mundial e repetindo os alertas de Francisco sobre um novo conflito global que se desenvolve em fragmentos. “A imensa tragédia da II Guerra Mundial terminou há 80 anos, a 8 de maio, depois de causar 60 milhões de mortos. No cenário dramático atual de uma III Guerra Mundial em pedaços, como afirmou várias vezes o Papa Francisco, dirijo-me também eu aos grandes do mundo, repetindo o apelo sempre atual: nunca mais a guerra!”, declarou, desde a varanda central da Basílica de São Pedro. De facto, a Paz não pode ser uma ideia vaga, tem de ser um compromisso de entendimento de todos. Mas não pode ser também o esquecimento das vítimas e dos efeitos económicos e sociais dos conflitos. Daí a importância da coerência entre pensamento e ação, tendo o Papa expressamente referido os casos trágicos da Ucrânia, Faixa de Gaza, Índia e Paquistão. A Constituição Pastoral “Gaudium et Spes” do Concílio Vaticano II é, assim, o grande referencial do tempo presente que a referência a Leão XIII torna mais evidente.  Para quem pretenda deixar na penumbra os dramas humanos ou queira fazer esquecer o que significou a ida do Papa Francisco a Lampedusa, eis-nos perante uma afirmação inequívoca. E se lembramos esse momento fundamental, recordamos ainda o encontro como o Grande Imã de Al Azhar, Ahmed Al-Tayeb, no Abu Dhabi, em nome do diálogo religioso e de uma Fraternidade Universal. Do mesmo modo, temos o apelo ingente para uma Ecologia Integral, que se encontra plasmado num texto tornado exemplar e referencial como a encíclica “Laudato Si’”. Compreender os sinais dos tempos, é também entender a Sinodalidade da Igreja e uma autêntica partilha de responsabilidades por todos.

“Trago no meu coração os sofrimentos do amado povo ucraniano” – afirmou ainda o Papa. “Faça-se tudo o que for possível para alcançar o mais rapidamente possível uma paz autêntica, justa e duradoura. Que todos os prisioneiros sejam libertados e que as crianças possam regressar às suas famílias”. Infelizmente esta tem sido uma voz a clamar no deserto. Importa que seja de facto ouvida. Como diz a exortação apostólica “Evangelli Gaudium”: “A Igreja, que é discípula missionária, tem necessidade de crescer na sua interpretação da Palavra revelada e na sua compreensão da verdade. A tarefa dos exegetas e teólogos ajuda a «amadurecer o juízo da Igreja». Embora de modo diferente, fazem-no também as outras ciências. Referindo-se às ciências sociais, por exemplo, João Paulo II disse que a Igreja presta atenção às suas contribuições «para obter indicações concretas que a ajudem no cumprimento da sua missão de Magistério». Além disso, dentro da Igreja, há inúmeras questões à volta das quais se indaga e reflete com grande liberdade. As diversas linhas de pensamento filosófico, teológico e pastoral, se se deixam harmonizar pelo Espírito no respeito e no amor, podem fazer crescer a Igreja, enquanto ajudam a explicitar melhor o tesouro riquíssimo da Palavra. A quantos sonham com uma doutrina monolítica defendida sem nuances por todos, isto poderá parecer uma dispersão imperfeita; mas a realidade é que tal variedade ajuda a manifestar e desenvolver melhor os diversos aspetos da riqueza inesgotável do Evangelho. (EG.40). Sinodalidade e pluralismo estão na ordem do dia. Afinal, a partilha de responsabilidades, a colegialidade, a procura de uma participação ampla serão o único modo de podermos avançar, com a audácia e a generosidade que tantas vezes parece faltar. Perante um horizonte estimulante, é tempo de avançar, com serenidade, gradualismo e determinação.


Guilherme d’Oliveira Martins