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Pedro Vaz Patto
Anunciar a alegria do Evangelho
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Não deixa de ser surpreendente a multiplicidade das palavras de sincero apreço pelo pontificado do Papa Francisco que se leem e ouvem por estes dias, vindas dos mais diversos quadrantes, de autoridades, pensadores, artistas e pessoas comuns. Assim, por exemplo, o voto aprovado por unanimidade na nosso Parlamento e o discurso aí pronunciado pelo nosso Presidente da República, que associa a mensagem de Francisco aos ideais democráticos do 25 de abril.
Os analistas e comentadores salientam, dessa mensagem, os apelos à paz e à amizade social, o amor preferencial pelos pobres e descartados, a inclusão de todos, a denúncia da “economia que mata”, o acolhimento de imigrantes, o elogio da humildade, da simplicidade e da sobriedade, o diálogo entre gerações, entre religiões e entre culturas, o cuidado com a Casa Comum. Talvez devessem também recordar a promoção da vida em todas as suas fases, sobretudo as de maior fragilidade, desde a conceção até à morte natural, aspeto que tem sido esquecido.
No que mais especificamente diz respeito à vida da Igreja, é dado relevo à prática inovadora da sinodalidade, em que todos são protagonistas e participantes de uma comunidade inclusiva e acolhedora.
Também há quem saliente a suposta maior abertura e descontinuidade em relação aos seus antecessores São João Paulo II e Bento XVI, nos planos doutrinal e moral, o que para uns é também motivo de grandes elogios, mas para outros é motivo das mais severas críticas.
Neste contexto, parece-me oportuno realçar o que está na raiz mais profunda da mensagem e do testemunho do Papa Francisco. Para tal, parece-me que é bom reler a sua primeira exortação apostólica, a Evangelii Gaudium, onde ele expôs as linhas que viriam a orientar o seu pontificado. E recordar o que ele então indicou como prioritário: anunciar a alegria do Evangelho, a boa nova do amor de Deus por todos e cada um de nós. Aí ele afirmava:
«(…) algumas questões que fazem parte da doutrina moral da Igreja ficam fora do contexto que lhes dá sentido. O problema maior ocorre quando a mensagem que anunciamos parece então identificada com tais aspetos secundários, que, apesar de serem relevantes, por si sozinhos não manifestam o coração da mensagem de Jesus Cristo. Portanto, convém ser realistas e não dar por suposto que os nossos interlocutores conhecem o horizonte completo daquilo que dizemos ou que eles podem relacionar o nosso discurso com o núcleo essencial do Evangelho que lhe confere sentido, beleza e fascínio. (…) Quando se assume um objetivo pastoral e um estilo missionário, que chegue realmente a todos sem exceções nem exclusões, o anúncio concentra-se no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário. A proposta acaba simplificada, sem com isso perder profundidade e verdade, e assim se torna mais convincente e radiosa.»
Viver e difundir a alegria do Evangelho era o objetivo prioritário do Papa Francisco. Os apelos â justiça, à paz e ao cuidado da Criação eram uma consequência dessa sua opção, mas não a substituíam. Ao contrário do que dizem muitos dos seus críticos, nunca foi sua intenção fazer da Igreja uma qualquer O.N.G. alinhada com as políticas das Nações Unidas.
Também nunca foi sua intenção romper a continuidade doutrinal com os seus antecessores e com a Tradição da Igreja. Quis antes dar mais relevo ao que é essencial e prioritário e que pode fascinar qualquer pessoa, em qualquer época, hoje como outrora.
O caminho sinodal por ele proposto e que nos deixa como legado ainda por concretizar não significa pôr em discussão questões doutrinais (a experiência de outras comunidades cristãs que o fizeram não é certamente exemplar), mas viver mais intensamente o Evangelho para dele dar mais autêntico testemunho no mundo de hoje
E foi isso mesmo que fez o Papa Francisco, através da palavra, mas também com a eloquência dos gestos. Foi, sobretudo, esse testemunho que fascinou tanta gente, até os habituais críticos da Igreja Católica. Como quando, por exemplo, telefonava diariamente para a muito sofrida comunidade paroquial de Gaza e assim lhe dava coragem e esperança. Ou quando, nos últimos dias da sua vida, já quase sem forças, não deixou de visitar os reclusos da maior prisão de Roma.
Pedro Vaz Patto
FOTO: Vatican Media