![]() |
Artigos |
|
Pedro Vaz Patto
O que fazer de tanta igreja
|
![]() |
Têm me chegado ultimamente notícias de movimentos organizados de protesto contra o destino que é dado, ou pode vir a ser dado, a igrejas que, em França, deixaram de ser afetas ao culto: um destino que muitas vezes nada tem a ver com aquele para o qual foram construídas. Este fenómeno é cada vez mais frequente em países do Norte da Europa, em igrejas católicas e (nalguns casos ainda mais) de outras denominações cristãs. Nada nos garante que não venha a atingir também os países do sul da Europa, como o nosso. Edifícios que durante décadas, ou mesmo séculos, foram lugares de oração e louvor a Deus são vendidos por agências imobiliárias como qualquer outro edifício e podem vir a servir de habitação, sala de espetáculo, restaurante, bar ou ginásio. Alguns também são, pura e simplesmente, demolidos. Os custos da sua manutenção não são suportáveis por comunidades cada vez menos numerosas. Nem sempre o seu valor histórico e artístico poderá justificar o apoio das entidades públicas de proteção do património cultural.
Verifiquei pela primeira vez algo de semelhante quando visitei a Rússia e a Ucrânia ainda nos tempos da União Soviética: antigas igrejas utilizadas como qualquer outro edifício. Nesse caso, tratava-se do reflexo de uma política de perseguição à religião. Hoje já não é assim. O reflexo não é de uma perseguição ao culto religioso, mas de uma indiferença perante esse culto e sua desvalorização. Compreendo que se procure por todos os meios possíveis destinar antigas igrejas a fins que sejam compatíveis com aquele que esteve na origem da sua construção e corresponde à sua utilização por sucessivas gerações. Até na perspetiva da proteção do património cultural, desrespeitar esse fim é desvirtuar a própria essência e o sentido da obra de arte em causa, é uma agressão quase tão grave como seria a sua destruição. É muito diferente utilizar uma antiga igreja em concertos de música sacra ou noutros tipo de espetáculos, como museu de arte sacra ou como sala para outro tipo de exposições, em atividades de solidariedade social ou em qualquer atividade comercial. Ao sentir desolação e tristeza perante este fenómeno, também me vêm à mente dois pensamentos que afastam essa desolação e essa tristeza. Um, o de que a vitalidade da Igreja não depende de igrejas, de edifícios perecíveis. Muitas foram as igrejas construídas e destruídas ao longo dos séculos. A Igreja não é formada por esses edifícios, essas pedras, mas pelas pessoas, “as pedras vivas do templo do Senhor”. E nela nascem e crescem sempre frutos de santidade em todas as épocas, talvez até ainda mais em épocas de perseguição ou indiferença. É verdade que os frutos da vitalidade da Igreja também se têm traduzido em obras de arte, que são uma riqueza do nosso país e da nossa Europa. Mas as raízes cristãs da cultura europeia não podem ser reduzidas a peças de museu; a sua vitalidade depende do testemunho da vida dos cristãos hoje, não apenas no passado. E também tenho a certeza de que o mesmo Deus que fez gerar todos esses frutos, no campo da santidade, mas também no campo da cultura e da arte, não deixará de fazer gerar novos e muitos mais no futuro. Pedro Vaz Patto