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Guilherme d'Oliveira Martins
Sob a virtude da esperança
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Nesta Quaresma de 2025, temos especialmente presente a mensagem do Papa Francisco neste ano jubilar, quando juntamos as nossas preces pela Paz no mundo e pela saúde de Sua Santidade, numa circunstância gravíssima em que podemos estar, como o Papa Francisco tem alertado, na antecâmara de um trágico conflito generalizado. Salientamos, por isso, a importância da esperança que não engana (cf. Rm 5, 5), que constitui mensagem central do Jubileu, de modo a que seja para nós o horizonte do caminho quaresmal rumo à vitória pascal. Como o Papa Bento XVI nos ensinou na Encíclica “Spe Salvi”, «o ser humano necessita do amor incondicionado. Precisa daquela certeza que o faz exclamar: “Nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8, 38-39). Jesus, nosso amor e nossa esperança, ressuscitou e, vivo, reina glorioso. A morte foi transformada em vitória e aqui reside a fé e a grande esperança dos cristãos: na ressurreição de Cristo!». É assim sob o tema da Esperança, que Santo Agostinho considerava ser a dimensão da “espera” que caracteriza o presente futuro, que podemos apelar à convergência de vontades, no sentido de pormos termo à cega mortandade a que estamos a presenciar. Eis como a oração poderá ajudar-nos, de modo a podermos antecipar a imagem do momento em que pudermos ver olhos nos olhos o Amor absoluto e pacificador. Santa Teresa de Jesus expressou isso da seguinte forma: «Espera, espera, que não sabes quando virá o dia nem a hora. Vela com cuidado, que tudo passa com brevidade, embora o teu desejo faça o certo duvidoso e longo o tempo breve» (Exclamações, XV, 3).
O Cardeal D. José Tolentino Mendonça, na sentida homilia que proferiu na Capela do Rato quando fomos despedir-nos de Adília Lopes, recordou três coisas, que disse guardar no seu coração relativamente à Poeta – a capacidade de contemplar, com uma extraordinária inteligência do coração; a procura de transformar a solidão em comunhão com os outros, em sentido comunitário; e a fé, que a levava a dizer “há milagres, não há truques”. A sua obra multifacetada é de uma extraordinária originalidade e irrepetível, em que a cristã está sempre presente. Aí se notam os ecos de Sophia de Mello Breyner, de Ruy Belo, e de Nuno Bragança. Escolheu como divisa o pouco de S. Francisco de Assis, como explicou a propósito em “A Mulher-a-dias”, que do pouco quis o pouco, num elogio da frugalidade e da sobriedade com que o “poverello” sempre viveu. Como recordou o Presidente da República na Mensagem de fim de ano, Adília Lopes, Maria José para a família, foi um modelo de cuidado e de atenção, porque “nunca, nunca perdeu nada, nem deitou nada fora ao longo da sua vida” – e assim foi exemplo para que guardemos seguramente a nossa memória coletiva de séculos.
Iconoclasta, desconcertante, inesperada, doce e amarga, o seu lugar é insubstituível. A sua escrita inconfundível ficará na lembrança futura. A verdade é que, ao longo da sua obra poética sentimos uma permanente exigência, da busca da palavra certa, em que a imaginação e a lucidez se ligam intimamente num objetivo determinado em que o non sense surge de um modo ponderado como ilustração e compreensão da realidade. Ver o mundo às avessas era assim procurar melhor vê-lo, como num casaco de malha, quando parecia faltar-lhe uma casa para o botão, sendo o motivo estar mal abotoado… E lembramos do gosto que partilhava com José Blanc de Portugal, seu padrinho, ao ler os “Disparates do Mundo” de G. K. Chesterton, que este maravilhosamente traduziu. Por isso, Adília Lopes tinha preocupação de ver o mundo sob o ponto de vista atípico e aparentemente cómico ou até chocante, para que se compreendesse melhor a singularidade do que deve ser dito. E lembramo-nos de Paula Rego, ilustradora da Obra de Adília. “Os seus textos fizeram-me logo lembrar a minha juventude, com as criadas, as bonecas, as mães ultra-protetoras. Ela é de um grande romantismo e ao mesmo tempo de um grotesco e de um cómico transbordantes”. Não é assim demais pôr lado a lado Paula Rego e Adília Lopes. E o que é ser sempre criança como ela foi? É fazer da memória uma atenção permanente. “Memória-puzzle”. É não esquecer. É pôr os brinquedos na mesa redonda para falarem. E é compreender a magia do escorrega – uma bela comparação para pensar e escrever. Sempre um fundo de ironia, para compreender o essencial: “Os computadores são estúpidos. Só fazem aquilo para que foram programados. As árvores os gatos as casas velhas são inteligentes”. Fiquemos, assim, com uma ideia positiva de vida e de esperança, com a mesma ironia de S. Filipe Neri e a mesma força da poeta!
Guilherme d’Oliveira Martins