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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Oremus pro Papa!
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As divergências, em matérias opináveis, não podem afectar o fervor da caridade que se vive na Igreja católica, desde a sua fundação.
Desde que se soube da hospitalização do Papa Francisco, gerou-se, entre os cristãos, um movimento mundial de oração pelo Santo Padre. Enquanto para os crentes de outras religiões, os agnósticos e os ateus estas notícias apenas despertam a curiosidade devida a uma figura pública, os católicos sabem que o Papa, seja quem for, é sempre o pai comum de todos os fiéis, ou seja, no dizer inspirado de Santa Catarina de Sena, o Vice-Cristo na terra.
O Papa Francisco, como os seus antecessores, desperta grandes entusiasmos e, também, algumas críticas. Contudo, nestes momentos, porventura os últimos do seu pontificado, esses estados de ânimo superficiais dão lugar a uma comum atitude de piedade filial, que a todos leva a rezar pelo Papa, com sincera devoção. Este afecto é teológico, pois não radica na sua personalidade, mas na sua condição de sucessor de Pedro. Em termos sacramentais, o Papa é apenas mais um bispo, mas chefia e representa a Igreja universal e, por isso, ubi Petrus, ibi Ecclesia, ibi Deus, ou seja, onde está Pedro, está a Igreja e está Deus. A proposição contrária também é verdadeira, pois não está unido a Deus quem não está com a sua Igreja, nem com o Papa.
Sempre que é anunciado um novo Papa, a reacção dos fiéis é de júbilo. À multidão, congregada na Praça de São Pedro, é dito que lhes vai ser dada uma grande alegria: gaudium magnum annuntio vobis! A fórmula curial é proferida, em latim, pelo cardeal protodiácono, que é o mais antigo dos cardeais da ordem dos diáconos, na loggia da Basílica de São Pedro, muito próxima da Capela Sixtina, onde teve lugar a eleição papal. Mas, como pode o povo fiel exultar com a eleição de quem nem sequer o nome conhece?! De facto, nessa altura, a identidade do novo Papa ainda não foi publicamente revelada e, por isso, a alegria se deve ao facto de a sua eleição ter posto termo ao luto que a Igreja universal viveu desde a morte, ou renúncia, do anterior pontífice e não à pessoa escolhida. Imediatamente depois deste jubiloso anúncio, dá-se a primeira aparição pública do novo Santo Padre, para dar a bênção ao mundo e à cidade pois, por inerência, o Papa é o Bispo de Roma, que governa a diocese através de um cardeal seu vigário para a urbe.
Tem algo de misterioso, ou de transcendente, o entusiasmo das multidões quando acolhem um novo Papa de que, em geral, pouco ou nada sabem, como aconteceu com a totalmente imprevisível eleição de São João Paulo II. Esta devoção do povo fiel pelo Papa, seja ele quem for, existe na Igreja católica desde sempre. Nem sequer a má-memória de alguns romanos pontífices foi suficiente para cancelar esta atitude do povo cristão, pois esses maus exemplos foram a excepção que confirma a regra da santidade dos Papas, muitos dos quais, nos primeiros séculos, foram também mártires. É significativo que Simão tenha sido o apóstolo escolhido por Cristo para primeiro Papa (Mt 16, 18), não obstante a sua tripla negação do Mestre (Mc 14, 66-72), e, ainda, o facto de Jesus o ter chamado Satanás, por ocasião do primeiro anúncio da sua paixão e morte, a que Simão se opôs (Mt 16, 21-23). Havendo apóstolos com melhor currículo como, por exemplo, João, o discípulo predilecto do Mestre, o único que assistiu à sua morte na Cruz e a quem Jesus entregou a sua Mãe que, por ser viúva, ficaria só depois da morte do seu único filho (Jo 19, 25-27), porque o não escolheu para primeiro Papa?! Parecia não só ter melhor preparação teológica – de facto, é o autor inspirado do quarto Evangelho, que é também o mais teológico –, como tinha também uma saúde mais adequada às exigências da função: quando corre, com Pedro, para o sepulcro, é ele que chega primeiro (Jo 20, 1-10)! Embora secundária, esta questão não é despicienda, pois a Igreja vivia uma tremenda perseguição, que, com o édito de Milão, em 313, abrandaria. Só Deus sabe a razão pela qual Pedro, e não João, foi o escolhido, mas pode ser que, desta forma, Jesus de Nazaré tenha querido fazer ver que as escolhas de Deus nem sempre coincidem com os nossos critérios, e, portanto, não cabe ao fiel julgar a pessoa escolhida para dirigir os destinos da Igreja universal. Por isso, não faz sentido que algum católico, com o pretexto da sua alegada falta de sabedoria, ou de virtude, se oponha ao Papa, embora dele possa, com respeito filial e sem ferir a unidade da Igreja, discordar em matérias opináveis. Com efeito, São Paulo, não só se opôs a Pedro a propósito de uma questão pastoral, como o recriminou publicamente (Gl 2, 11-14), sem nunca pôr em causa a sua autoridade papal, nem a unidade da Igreja. Se a devoção ao Papa há-de ser teológica e não pessoal, ou sentimental, também deve ser inteligente e não cega, como pretendem os que se movem por interesses carreiristas e professam uma obediência ao Santo Padre que chega ao extremo servil do mimetismo, que, como é óbvio, nada tem de virtuoso. Mutatis mutandis, o quarto mandamento obriga a respeitar pai e mãe, mas de acordo com a Lei de Deus e com o que é razoável. É curioso que os que reclamam uma total submissão ao Papa Francisco são os mesmos que antes abertamente criticavam João Paulo II e Bento XVI, o que prova que a sua adesão ao actual pontífice é uma oportunista opção ideológica, não um acto de fé. O mesmo pode ser dito dos que agora criticam Francisco, mas eram mais papistas do que os dois Papas anteriores… É verdade que há diferenças entre o pontificado actual e os de João Paulo II e Bento XVI, em questões de forma e de conteúdo, pois Francisco alterou o que São João Paulo II escreveu, no Catecismo da Igreja Católica, sobre a pena de morte e revogou o que Bento XVI tinha estabelecido em relação à forma antiga do rito romano, por entender que a mesma atenta contra a unidade da Igreja quando, na realidade, foi a sua expressão litúrgica durante muitos séculos. O próximo Vigário de Cristo também poderá revogar algumas das reformas empreendidas neste pontificado. Mas estas divergências, em questões não essenciais, não põem em causa a unidade da Igreja, nem a comunhão eclesial, ou a obediência devida ao Santo Padre. Sobretudo, é imperioso que as divergências, em matérias opináveis de carácter doutrinal, ou pastoral, não afectem, em caso algum, o fervor da caridade, que distingue os verdadeiros seguidores de Cristo (Jo 13, 34-35) e que se vive na Igreja católica desde a sua fundação, há dois mil anos. São Lucas, no seu segundo livro, narra a prisão de Pedro, por Herodes (At 12, 3-17). Apesar de entregue a sua guarda a quatro piquetes de quatro soldados cada um, Pedro foi libertado por um anjo, tendo-se então dirigido para a casa da mãe de João Marcos, onde os cristãos estavam em vigília de oração pelo Papa. Tendo-se anunciado, foi tal a alegria da mulher que foi abrir a porta que, em vez de o deixar entrar, foi de imediato dar a boa nova aos outros fiéis! Esses cristãos não acreditaram nela e pensaram que, talvez, fosse o seu anjo, mas quando finalmente abriram a porta, viram com imensa alegria que se tratava, de facto, de Pedro, o primeiro Papa!Não é possível ler esta página dos Actos dos Apóstolos sem sentir uma especial admiração pela união ao Papa de aqueles primeiros cristãos que, decerto, conheciam as fraquezas de Simão Pedro. Que esta santa inveja – valha o paradoxo – se converta, nesta hora difícil para o Santo Padre, numa oração fervorosa pelo Papa Francisco e pela unidade da Igreja.
P. Gonçalo Portocarrero de Almada