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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Femininismo, clericalismo e machismo
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A razão que fundamenta a diferença entre o estatuto canónico da mulher e do homem na Igreja é natural e, por isso, nem o Papa a pode alterar.
No presente mês de Janeiro, o Papa Francisco anunciou duas nomeações de mulheres para cargos importantes da cúria pontifícia: no dia 6, o da Irmã Simona Brambilla, Missionária da Consolata, como Prefeita do Dicastério para a Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica; e, no dia 20, o da Irmã Raffaella Petrini, das Franciscanas da Eucaristia, como próxima Presidente do Governo do Estado do Vaticano, de que já era, desde 2021, Secretária-Geral. Os antecessores imediatos das duas religiosas, nos cargos para que foram agora nomeadas, eram cardeais. Embora São João Paulo II já tivesse declarado a inadmissibilidade do presbiterado e episcopado femininos na Igreja católica, estas nomeações pontifícias relançaram o debate sobre o acesso das mulheres ao sacerdócio. O Papa Francisco nunca se manifestou a favor dessa hipótese, que vários eclesiásticos admitem, cedendo à pressão mundana e contrariando dois mil anos de tradição, não só católica como também ortodoxa. Os anglicanos já o fizeram, o que lhes custou a perda de milhares de fiéis, vários bispos e mais de mil pastores, muitos dos quais são agora católicos. A questão releva algum clericalismo, pois pressupõe que a promoção da mulher católica se faz pela sua clericalização. Por outro lado, atribuir às mulheres as funções exercidas pelos homens, desrespeitando a especificidade feminina, pode ser machismo. Desde sempre, na Igreja, se afirmou a igualdade de natureza e de dignidade de mulheres e homens. Por isso, quando na sociedade civil as mulheres ainda não votavam, as solteiras estavam sob a autoridade paterna e as casadas sob o jugo marital, já nos conventos femininos mandavam as mulheres, eleitas pela respectiva comunidade. À frente das congregações femininas numa região, ou país, ou a nível mundial, estão sempre mulheres, mesmo que haja também um ramo masculino. Alguns exemplos: todos os dominicanos são filhos espirituais de São Domingos de Gusmão, como todos os franciscanos se reconhecem no carisma de São Francisco de Assis, mas não há nenhum dominicano, ou franciscano, que superintenda as dominicanas, ou franciscanas, respectivamente, porque estas, ressalvada a jurisdição episcopal, dependem apenas da sua superiora geral, que só obedece ao Papa. Há, pois, igualdade, em termos canónicos, entre os religiosos e as religiosas católicos, porque todos têm a mesma autonomia e independência, sem interferência dos ramos masculinos no governo das correspondentes ordens femininas e vice-versa. É certo que há instituições eclesiais que são exclusivamente masculinas como, por exemplo, a Companhia de Jesus, porque essa foi a vontade do seu fundador, que a suprema autoridade eclesial sancionou. Francisco é o primeiro Papa jesuíta, o que cria uma curiosa situação, uma vez que os professos da Companhia de Jesus fazem um voto especial de obediência ao Santo Padre, para além do voto de obediência a que são obrigados todos os religiosos, juntamente com os de pobreza e castidade. Ou seja, o jesuíta Jorge Mário Bergoglio está especialmente obrigado a obedecer ao Papa Francisco… que é ele mesmo! O Papa Francisco poderia criar um ramo feminino na Companhia de Jesus? Não parece, porque a Igreja, ao reconhecer um determinado carisma, como o jesuíta, também aprova o seu apostolado específico que, neste caso, é exclusivamente masculino. O Papa também não pode exigir que as Missionárias da Caridade, fundadas por Santa Teresa de Calcutá para servirem os mais pobres dos pobres, se dediquem à catequese, porque não é esta a sua missão na Igreja. Neste sentido, as nomeações das ditas religiosas para cargos que nada têm a ver com os seus carismas são, decerto, surpreendentes, não só porque a missão de governo, na Igreja, compete à hierarquia, mas também porque estas nomeações desviam estas religiosas do apostolado específico das instituições em que professaram. A maioria das espiritualidades religiosas têm dois ramos, o masculino e o feminino, a que por vezes se acrescenta uma ordem terceira, composta por leigos que vivem no mundo o mesmo carisma. As instituições seculares geralmente admitem homens e mulheres, como na Obra de Maria, também conhecida como Movimento dos Focolares, cujo máximo representante é sempre uma mulher, o que é uma clara discriminação eclesial positiva a favor da mulher. Graças a Deus, não consta nenhuma contestação pelos que assim foram excluídos, ou discriminados negativamente, por razão da sua condição masculina, porque neles prevalece a convicção de que essa é a vontade de Deus e, sobretudo, porque os move o propósito de servir, e não a ambição de poder, que é a marca distintiva do clericalismo. Nos países de tradição cristã sempre houve mulheres nos mais altos cargos públicos, como as rainhas que o foram por direito próprio, ou regentes, em substituição dos seus reais maridos ou filhos, bem como as abadessas que exerceram uma jurisdição quase-episcopal. Pelo contrário, actualmente, nalguns países muçulmanos, como Marrocos, as mulheres não podem aceder ao trono, e o cônjuge do rei nem sequer é rainha. Há quem pense que a reivindicação do sacerdócio feminino é cultural e exigível em função do princípio inquestionável da igualdade, que proíbe qualquer discriminação em virtude do sexo. Na realidade, a razão que fundamenta a diferença entre o estatuto canónico da mulher e do homem é natural e, só em segundo lugar, eclesial. Se fosse uma questão meramente cultural, ou política, seria reformável, mas, sendo de índole natural, nem o Papa a pode alterar, como também não pode converter uma mulher num homem, ou vice-versa. Pai e padre – father, père, abade, etc. – são sinónimos, tal como mãe e madre. A razão pela qual a mulher não pode ser pai é a mesma pela qual a mulher não pode ser padre: o modo de a mulher participar na geração de um filho não é a paternidade, que lhe está naturalmente vedada, mas a maternidade, que está impedida aos varões. A mulher não pode ser padre, porque também não pode ser pai; como o homem não pode ser mãe, logo também não pode ser madre; mas ambos podem ser progenitores, cada qual de acordo com a sua própria identidade sexual. De facto, se a mulher pudesse ser padre, também deveria poder ser pai, em cujo caso o homem também poderia ser mãe, ou madre, o que é manifestamente contraditório. Portanto, se se admitir, por absurdo, que a mulher pode ser pai, ou padre, permita-se, em virtude do princípio da igualdade, que os homens também podem ser mães e madres! P. Gonçalo Portocarrero de Almada