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Pedro Vaz Patto
Deportações
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O Papa Francisco, tal como os bispos católicos norte-americanos, tem criticado de forma veemente os planos de Donald Trump de executar aquilo que o próprio designa como a maior deportação em massa da história da América. Não se sabe exatamente quantas pessoas poderão ser afetadas, mas, se esses planos forem executados, serão provavelmente muitos milhões.
Há quem justifique essa deportação dizendo que se trata apenas de cumprir as leis vigentes e combater a ilegalidade e o crime, o que qualquer Estado pode e deve fazer. Importa, porém, salientar que a aplicação cega de uma qualquer lei não é necessariamente legítima (isto é, conforme ao direito natural) ou moral: nem tudo o que é legal é legítimo e moral. É sobre a legitimidade e moralidade de uma deportação em massa como a que se anuncia que deve refletir-se. E o critério há de ser o da dignidade humana que possa ser atingida com essa deportação. É com esse fundamento que se situam muitas das críticas a esses planos de Donald Trump. Um primeiro motivo de crítica pode ser a equiparação entre imigrantes ilegais que nenhum crime cometeram (a simples entrada ilegal num país não deve ser considerada crime, com toda a gravidade que este implica) e os que possam ter sido judicialmente condenados pela prática de crimes. Quanto à expulsão como consequência de um crime, exige a Constituição portuguesa (na interpretação que foi várias vezes seguida pelo Tribunal Constitucional) que ela não seja automática, isto é, aplicada sistematicamente independentemente da gravidade do crime e das condições do condenado (designadamente a sua inserção familiar e social no país). A gravidade das consequências dessa expulsão (no plano familiar e social) deve ser proporcional à gravidade do crime cometido. Mesmo nestas situações, uma aplicação justa e humana da lei não é uma aplicação cega. No que se refere aos imigrantes que entraram ilegalmente no país, mas nele estão social e familiarmente integrados, nenhum crime cometeram e desde há vários anos contribuem com o seu trabalho para o bem comum do país que os acolheu, pode, na verdade, a sua expulsão ser contrária à dignidade humana. Essa expulsão pode significar uma condenação a uma vida de miséria e fome no país de origem. Nalguns casos, quando essas pessoas fugiram de cenários de guerra e poderiam beneficiar do estatuto de refugiados, a sua expulsão para o país de origem pode ameaçar a sua própria vida. Uma aplicação justa e humana da lei não é, pois, uma aplicação cega. De acordo com o que tem sido anunciado, o facto de os filhos dos imigrantes entrados ilegalmente nos Estados Unidos terem já nacionalidade deste país por aí terem nascido (segundo a regra do ius soli) não obstará à expulsão dos pais. Estes terão que se separar dos filhos se quiserem poupá-los à vida de miséria que provavelmente os espera no país de origem. A família é, deste modo, também gravemente afetada. Para fazer face a todas estas situações, em muitos países tem-se optado não por processos de expulsão em massa, mas por processos de legalização que distinguem as várias situações e se revelam benéficos tanto para os imigrantes, como para esses países que os acolheram. Quando, antes das eleições dos Estados Unidos, o Papa Francisco criticou estes planos de deportação em massa do então candidato Donald Trump como contrários à dignidade da vida humana, ao mesmo tempo que criticava, com o mesmo fundamento, as propostas de promoção do aborto da candidata Kamala Harris, e quando numa mais recente entrevista qualificou esses planos como “uma desgraça”, penso que tinha em conta todas estes princípios. Pedro Vaz Patto