Artigos |
Pedro Vaz Patto
Direito por Linhas Tortas

Nos primeiros anos deste nosso século XXI surgiu uma corrente, no âmbito da cultura anglo-saxónica (e, por seu intermédio, um pouco por todo o mundo), que veio a ser designada como “novo ateísmo”, sobretudo a partir das obras de quatro autores, que na altura tiveram grande difusão: Richard Dawkins (The God Delusion), Cristopher Hitchens (God Is Not Great – How Religion Poisons Everything), Sam Harris (The End of Faith e Letter to a Christian Nation) e Daniel Denett (Breaking the Spell: Religion as a Natural Phenomenon). A França também teve o seu “apóstolo” do “novo ateísmo”: Michel d`Onfray, autor de Traité d´Athéologie. Inserida nessa corrente, ficou célebre uma campanha publicitária em transportes públicos que afirmava: «Provavelmente Deus não existe, goza a vida!».

Comum a esses autores, eram as teses de que a fé em Deus contraria os dados da razão e da ciência e está na origem de graves malefícios sociais, entre os quais se conta a intolerância que gera a pior violência. Os atentados de 11 de setembro de 2001, praticados em nome da religião islâmica, nalguma medida serviram para reforçar essa ideia.   

Contra essas teses, várias vozes se fizeram, na altura, ouvir, demonstrando que a razão e a ciência não são obstáculo à crença em Deus, antes a ela podem conduzir (sem substituir a fé) e que não pode assacar-se à religião tudo o que em seu nome (mas contrariando a pureza dos seus princípios mais autênticos) tem sido realizado pelos homens ao longo da história, tal como não podem ignorar-se os benefícios sociais e culturais a que ela também deu origem e os malefícios a que, de forma inaudita, deu origem o ateísmo no século XX. Sobre a referida campanha publicitária, houve quem salientasse o perigo, no plano social, do convite a “gozar a vida sem entraves”, ou o que desse convite pensarão todos os que sofrem e, verdadeiramente, estão impedidos de “gozar a vida” assim concebida.

Essas respostas encontram-se em obras como as de Alister Mc Graith, O Deus de Dawkins – Genes, Memes e o Significado da Vida (tradução portuguesa da Aletheia), Scott Hahn e Benjamim Wiker, Answering the New Atheism – Dismantling Dawkin´s Case against God (Emmaus Road); John Haught, God and the New Atheism – A Critical Response to Dawkins, Harris and Hitchens (Westminster John Knox Press); Keith Ward, Is Religion Dangerous?, (Lion Publishing); Tina Beattie, The New Atheists – The Twllight of Reason and the War on Religion (Dartmann- Logmann-Toad); Chris Hedges, I Don´t Believe in Atheists (Free Press); Irène Fernandez, Dieu avec Esprit – Réponse à Michel d´Onfray (Philippe Rey) e Matthieu Baumier L´Anti-Traité d´Athéologie – Le Systém Onfray Mis à Nu (Presses de La Renaissance).

Recentemente, Richard Dawkins, durante muito tempo considerado o mais influente dos ateus, veio, porém, a reconhecer a influência benéfica do cristianismo nos planos social e cultural e afirmou-se até “culturalmente cristão” (ver www.aciprensa.com  2/4/2024). De um modo geral, os “novos ateus” perderam a éfemera influência que tiveram, como se descreve no, também recente, livro do jornalista inglês Justin Brierley The Surprising Rebirth of Belief in God - Why New Atheism Grew Old and Secular Thinkers Are Considering Christianity Again (Tyndale).

Um outro livro recente, Coming to Faith Through Dawkins – 12 Essays on the Pathway from New Atheism to Christianity (Kregel Publications), coordenado por Denis Alexander e Alister Mc Grath, vai mais longe: descreve o caminho de doze antigos seguidores do “novo ateísmo” (cientistas, filósofos, historiadores e artistas) que, depois de reconherem o infundado das teses dessa corrente no plano racional, mas, também e sobretudo, a insatisfação e vazio existencial por elas provocadas nas suas vidas, vieram a aderir convictamente à fé cristã. O “novo ateísmo” acabou por ser, afinal, para essas pessoas, um instrumento que, providencialmente, as aproximou do cristianismo, neste caso não apenas cultural ou racionalmente, mas como verdadeira opção vital.

Vêm-me à mente, a este propósito, as palavras da declaração Dignitatis Humanae do concílio Vaticano II: «a verdade não se impõe de outro modo senão pela sua própria força, que penetra nos espíritos de modo ao mesmo tempo suave e forte». E também dois ditados populares: «a verdade é como o azeite, vem sempre ao de cima»; e «Deus escreve direito por linhas tortas».


Pedro Vaz Patto