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Pedro Vaz Patto
Contra a corrente

Surgem por vezes iniciativas vindas de onde menos se esperaria. Os países nórdicos são talvez aqueles onde mais longe chegou o secularismo. Também por isso, serão talvez aqueles onde a visão cristã da sexualidade e da família mais contrasta com a corrente da mentalidade dominante. Mas, como me confirmou um colega da comissão Justiça e Paz da Suécia, a Igreja Católica está a crescer nesse país, devido à imigração, mas também por um significativo número de conversões (ao contrário do que sucede com outras comunidades mais influenciadas por essa corrente dominante). A iniciativa a que me refiro surgiu recentemente noutro país nórdico, na Noruega: uma declaração conjunta subscrita por trinta organizações e denominações cristãs (de entre as quais, a Igreja Católica) sobre “diversidade de género e sexualidade” (a versão inglesa dessa declaração é acessível em www.felleskristen.no/english).

A declaração afirma os seus fundamentos na Bíblia como Palavra de Deus, no reconhecimento das realidades biológicas e no respeito pelos direitos humanos das crianças.

Esses fundamentos bíblicos partem das verdades seguintes:

Deus criou os seres humanos homem e mulher. Criou-os à Sua imagem e eles são por Ele amados profundamente. O casamento, que une um homem e uma mulher, é uma instituição divina e de direito natural que representa o contexto em que deve ocorrer o relacionamento sexual. A doutrina e o exemplo de Jesus ensinam-nos que devemos tratar com respeito e amizade qualquer próximo, por muito diferente das nossas que sejam as suas visões do mundo e da ética.

Os fundamentos biológicos, por sua vez, partem das seguintes realidades:

Há apenas dois sexos biológicos, fixados no momento da conceção de cada pessoa e determinados pelo tipo de células reprodutoras e pelos cromossomas (XX ou XY) presentes em cada uma das milhares de células do corpo humano. A ideia de que o género é uma categoria subjetiva e que a identidade de género pode ser escolhida independentemente do sexo biológico baseia-se na ideologia e não tem base científica. É muito problemático ensinar às crianças que existem “meninos, meninas e outros géneros”, que elas podem ter nascido no “corpo errado” e que o género é “fluido”. Isso pode conduzir a confusão, insegurança, e opções de vida destrutivas para muitas crianças e jovens. O relacionamento entre mãe, pai e filhos é biologicamente singular; corresponde à ordem do Criador e é o fundamento da família e da sociedade.

A respeito dos direitos das crianças, afirma a declaração:

As crianças são um dom de Deus, não existe o direito de um adulto à criança. O bem da criança deve prevalecer sempre sobre os desejos dos adultos. É direito de cada criança, na medida do possível, «conhecer e ser criada pelos seus progenitores» (artigo7.º,1, da Convenção dos Direitos da Criança). Privar intencionalmente uma criança desse direito (através da procriação medicamente assistida ou da gestação de substituição) contraria a vontade de Deus sobre a Criação e os direitos humanos das crianças.

Afirma ainda a declaração:

Consideramos que as autoridades públicas abusam do seu poder quando pressionam cidadãos e organizações no sentido da adesão à ideologia do género. Esse ativismo viola a liberdade de consciência e religião, assim como os direitos dos pais.

É precisamente esta questão que, entre nós, pode justificar, à luz do que dispõe o artigo 43.º da Constituição portuguesa («O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas»), a revisão do conteúdo da disciplina de Educação para a Cidadania, libertando-a de “amarras ideológicas”.

 

Pedro Vaz Patto