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Pedro Vaz Patto
Agradecimento

Muitos foram os que partilharam fervorosamente a emoção das conquistas de medalhas olímpicas pelos atletas do nosso país. O mesmo terá sucedido noutros países com os seus atletas.

Confesso que algumas reações me parecem algo exageradas, como se esses atletas se tornassem subitamente verdadeiros heróis nacionais por causa de uma medalha e disso dependesse a nossa autoestima coletiva. Por outro lado, geram-se antecipadamente grandes expetativas sobre alguns potenciais medalhados que, quando não são correspondidas, criam uma desilusão igualmente exagerada.

Mas o que também impressiona é a dedicação e o trabalho árduo que estão por detrás desses sucessos. Isso deveria servir de lição, válida no desporto e em qualquer atividade humana: nada se consegue sem esse esforço, que implica sempre algum sofrimento. Uma lição contra o hedonismo hoje imperante.

Nessa medida, são merecidos os elogios e as homenagens aos vencedores, mas também a muitos dos vencidos.

Assim sendo, muitos notaram nestas Olimpíadas o inusitado número de atletas que, espontânea e muito abertamente, revelaram a sua fé em gestos de agradecimento a Deus pelos seus maiores ou menores sucessos. Mais até do que em anteriores Jogos. Houve quem salientasse o contraste entre esse facto e a cena da cerimónia de abertura ofensiva para com os cristãos.

Na verdade, se há mérito nos extraordinários feitos desportivos a que assistimos nos Jogos Olímpicos, há dotes e talentos que não dependem de um qualquer maior ou menor esforço, que são, simplesmente, um dom de Deus. O desafio é o de fazer render esses dons, como indica a parábola evangélica dos talentos. O mérito não explica tudo, como afirma o filósofo norte-americano Michael Sandel no seu livro A Tirania do Mérito (traduzido em português pela Editorial Presença). É, pois, de elementar justiça reconhecer esses dons maravilhosos como dons de Deus, a Ele agradecer e louvar por isso. E esse gesto afasta a tentação narcisista de auto-glorificação, superioridade ou desprezo para com os adversários. Nessa medida, é coerente com o desportivismo e espírito olímpico.  

Poderá dizer-se que essas manifestações de fé e de agradecimento a Deus contrariam a regra de neutralidade que consta do artigo 50.º da Carta Olímpica. Este artigo proíbe expressões de “propaganda” política e religiosa durante os Jogos. Mas uma expressão pública de agradecimento a Deus por um extraordinário feito desportivo não é “propaganda”. Proibi-la será violar a liberdade religiosa consagrada, também na sua dimensão pública, em todas as convenções internacionais de direitos humanos, a cuja luz deverá ser interpretada também a Carta Olímpica.

 

Pedro Vaz Patto