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P. Duarte da Cunha
Fazer experiência é mais do que provar. Bases para um diálogo
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Luigi Giussani, no seu livro ‘Sentido Religioso’, diz a certa altura: “a palavra «experiência» não significa exclusivamente «provar»: o homem experiente não é aquele que acumulou «experiências» - factos e sensações. É certo que a experiência coincide com o «provar» alguma coisa; mas coincide, principalmente, com o juízo dado sobre o que se prova.” (p. 25, ed. Tenácitas).
Num temo como o nosso, quando se torna comum procurar acumular “experiências”, corre-se o risco de cair na confusão para que esta afirmação de Giussani alerta. Com cada vez mais frequência, jovens e menos jovens falam do valor das suas vidas como se este dependesse da soma de coisas que provaram ou de factos por que passaram, sem que isso tenha sido verdadeiramente experimentado. Fica-se pela rama e só conta a quantidade!
É certo que muitas vezes, além da quantidade de coisas provadas, também se fala da sensação vivida nesses momentos de prova, para se afirmar que uma certa experiência foi feliz ou não. Mas isto não esgota aquilo que é uma experiência humana! É verdade que esta referência à sensação criada em cada ocasião faz ver que há um sujeito a quem aquilo que foi provado afecta, e isso mostra que não conta apenas a acumulação das provas, e que é preciso ter em conta o impacto destas na pessoa que as viveu. Mas este sujeito, na sua natureza, não é apenas capaz de registar uma sensação, ele tem inteligência, ele tem consciência e, por isso, julga, ou seja, tenta compreender e colher o significado do que provou. Aliás, a sensação como que pede à inteligência que explique o que aconteceu. Sem isto não se pode falar de experiência humana, propriamente dita.
A afirmação de Giussani, porém, faz ver que a intervenção da razão não é um segundo momento da experiência, como se experimentar fosse na verdade a prova, e num segundo momento se faria um juízo ou um esforço para compreender o significado. Ora, o que faz algo ser experiência humana, é, precisamente, esse juízo da razão; este não vem depois, mas dentro da experiência.
Com este ênfase na experiência não se cai, como alguns temeram, no relativismo. É fácil perceber que há esse risco. Se entendermos o juízo como uma coisa puramente subjectiva, negamos a existência de uma objectividade, ou seja, não reconhecemos no homem a capacidade de verificar o que é bom e o que é verdade, o que nos faz ser melhores ou o que nos reduz a algo inferior.
Importa explicar como se faz um juízo na experiência; este é o pôr em relação dois factores objectivos por parte do sujeito: aquele pedaço de realidade que se provou e aqueles dados que pertencem ao coração do homem e que são os a priori que existem em nós como um conjunto de exigências que, quando não satisfeitas, nos inquietam na busca da verdade. Apesar de podermos não conseguir fazer bem o juízo este pressupõe uma objectividade possível e desejável.
Assim, é possível que a experiência se torne o lugar onde se junta o que parecia opor-se: afirmar a objectividade através de uma experiência subjectiva. Aliás, não há modo mais convincente, mais certo e seguro, de saber uma verdade objectiva que quando esta é experimentada pessoalmente e reconhecida como capaz de responder às exigências do coração humano.
Não há dúvida que na teologia e na filosofia do século XX a “experiência” foi alvo de muitos debates e uma certa ideia de experiência desligada do reconhecimento de que existe uma realidade objectiva acabou por reduzir a experiência a uma sensação subjectiva que pode variar de sujeito para sujeito. Foi assim que se cimentou o relativismo e, como consequência, tornou-se impossível o diálogo. Não há dúvida que sem verdade objectiva não há base para um diálogo que busque a verdade e a concórdia, e muito menos para uma comunhão de vida. Quando se nega a objectividade da realidade e não se reconhece que todos os homens têm em si uma série de exigências objectivas que são próprias da sua natureza humana, apenas sobra, para que ainda seja possível uma certa convivência, duas hipóteses: ou a coincidência do valor que vários sujeitos dão à experiência feita, e daqui formam-se os guetos e os grupos radicais onde se juntam os que avaliam a realidade da mesma maneira em oposição aos “outros”; ou temos de ficar por uma simples tolerância, que mais não é do que uma indiferença em relação ao que cada um pensa ou diz, esperando assim evitar os conflitos. No fundo diz-se: não estou de acordo, mas paciência.
Se não há objectividade não há lugar para a procura da verdade, logo não faz sentido o diálogo. Mas, se a verdade não é experimentada, isto é, provada e acolhida/julgada/compreendida, por um sujeito, não se percebe o valor dessa verdade e não há espaço para a convicção.
P. Duarte da Cunha