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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
As lições dos Magos
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São Mateus é o único evangelista que refere a peregrinação de uns magos, vindos do Oriente, por ocasião do nascimento de Jesus, facto que foi do seu conhecimento graças a uma estrela misteriosa, que os guiou até Belém. Não sabemos muito acerca destes personagens – os nomes Melchior, Gaspar e Baltasar foram-lhes atribuídos pela tradição e, por isso, não têm fundamento histórico – talvez oriundos da Pérsia, onde a religião e a astronomia estavam muito relacionadas. Também não sabemos o seu número – a suposição de que eram três talvez decorra dos três dons: ouro, incenso e mirra – porque São Mateus limita-se a utilizar o plural, nem o que foi deles depois daquele encontro providencial.
Uma primeira lição dada por estes sábios é, se se permite o paradoxo, a da sua ignorância. Com efeito, não sabem onde há-de nascer o Rei dos Judeus e, por isso, não só pedem aos sacerdotes que lhe dêem essa informação, como também a solicitam ao Rei Herodes.
Um sábio é, decerto, alguém que sabe muitas coisas e, por isso, sabe também que não sabe muitas mais. O ignorante, precisamente porque nem sequer tem noção da sua ignorância, acha que sabe tudo e, portanto, pronuncia-se também sobre o que não sabe.
Causou grande sensação a chegada dos Magos a Jerusalém, não só pelo seu carácter exótico, mas também por afirmarem que tinha nascido o tão esperado Rei dos Judeus, que se propunham adorar. A este propósito, Mateus escreve: “ao ouvir isto, o Rei Herodes turbou-se, e toda a cidade de Jerusalém com ele” (Mt 2, 3). Depois de esclarecido pelos príncipes do povo e pelos escribas sobre o local profetizado para o nascimento do Messias, os magos retiraram-se para Belém, com a incumbência de depois dizerem a Herodes onde se encontrava o recém-nascido, pois o déspota, temendo ser destronado pelo verdadeiro Rei dos Judeus, fingidamente lhes disse: “Ide, informai-vos bem acerca do menino e, quando o encontrardes, comunicai-mo, a fim de que também eu o vá adorar” (Mt 2, 8). Os Magos, porém, “avisados por Deus em sonhos para não tornarem a Herodes, voltaram por outro caminho para a sua terra” (Mt 2, 12).
Se é louvável a perspicácia dos Magos, que se aperceberam da hipocrisia de Herodes, também é digna de nota a sua discrição: com efeito, aparecem na cena e dela desaparecem com a máxima simplicidade, uma vez cumprida a sua missão.
É humano que nos consideremos muito aptos no nosso ofício, sobretudo se já temos muitos anos de experiência profissional. Como somos levados a crer que desempenhamos bem a missão que nos foi atribuída, por vezes falta-nos a humildade para reconhecer os nossos limites e, portanto, a conveniência de sermos substituídos por alguém mais novo e mais capaz.
Embora não o tenha conhecido pessoalmente, quando vivi em Braga, a finais do século passado, ainda ouvi muitas histórias atribuídas ao Cónego Arlindo, professor do seminário. Uma vez, este zeloso presbítero surpreendeu os seus pares dizendo que tinha escrito uma carta para si próprio, para quando fizesse setenta anos. À medida em que essa data se aproximava, maior era a emoção em relação ao conteúdo dessa missiva, que o próprio dizia ignorar, precisamente por ainda não ter chegado àquela idade!
No dia dos seus 70 anos, o Cónego Arlindo revelou, finalmente, o conteúdo da carta-mistério: “Arlindo, vai-te embora que já se andam a rir de ti!”. Depois da irreprimível gargalhada, perguntaram-lhe o que ia fazer. Disse-lhes que se tinha limitado a acrescentar um post scriptum: “Arlindo, quando eras novo eras muito disparatado!”. E, claro, continuou como se nada fosse.
A história retrata bem a atitude do jovem, que pensa que um ancião de 70 anos já nada pode fazer de útil e, por isso, deve retirar-se, mas também a reacção dos mais velhos que, chegados a essas idades mais avançadas, têm uma tendência inata a considerar-se aptos para o trabalho que lhes foi encomendado, senão mesmo insubstituíveis. Não é pouca a sabedoria dos mais novos, quando respeitam e aprendem dos veteranos, nem a destes quando gozosamente cedem o seu lugar às gerações mais novas.
Os Magos souberam aparecer e desaparecer, discretamente, como João Baptista, quando lhe disseram que os discípulos de Jesus também baptizavam, disse que convinha que Jesus fosse cada vez mais conhecido e ele, pelo contrário, desaparecesse (Jo 3, 30).
P. Gonçalo Portocarrero de Almada