Lisboa |
‘Acompanhamento espiritual a doentes em fim de vida’
“Estar lá” marca a forma como a família faz o luto
<<
1/
>>
Imagem

O ‘simples’ acompanhamento, “sem qualquer juízo de valor”, pode marcar a diferença junto de doentes em cuidados paliativos, bem como na vida das suas famílias. A opinião é da psicóloga Cristina Pinto, na conferência ‘Relação e Comunicação’, incluída na ação de formação dedicada ao ‘Acompanhamento espiritual a doentes em fim de vida’. A oradora apontou ainda “estratégias” que podem “dar sentido ao sofrimento” e oferecer a esperança na vida eterna.

 

“Se, de repente, nos fosse comunicado que tínhamos uma doença grave, progressiva e terminal, o que para nós seria importante nesse momento? Que necessidades gostaríamos de ver garantidas?”. Às perguntas que serviram de ponto de partida para a conferência da psicóloga Cristina Pinto, as respostas seriam, certamente, diversas, mas a todos os voluntários e profissionais que acompanham doentes em cuidados paliativos é-lhes pedido “acompanhamento”, “sem julgar e impor nada”. “Temos que ser uma mais valia quando estamos ao lado do outro. Não podemos ser mais um fardo para quem está em sofrimento. Temos que ser alguém em quem a pessoa sinta que a nossa presença é importante, que marcamos a diferença. Estamos lá, acompanhando-o em todo o seu estado, seja por estar revoltado, triste, zangado com Deus... o nosso papel é sempre acompanhá-lo neste percurso, sem qualquer juízo de valor”, defendeu esta profissional de saúde, na ação de formação organizada pelo Departamento Diocesano da Pastoral da Saúde e pela Associação Mateus 25, que decorreu, no passado dia 16 de fevereiro, no auditório do Externato São Vicente de Paulo, em Lisboa.

 

Estratégia

Perante o outro, quando confrontado com a notícia de uma doença grave, as suas necessidades e objetivos merecem ser respeitados. É isso que é pedido ao cuidador, seja ele profissional, voluntário ou familiar. “Se calhar, para alguns de nós, ao pensarmos que a nossa vida tem um prazo, gostaríamos de fazer uma série de coisas que nunca fizemos, uma viagem, conhecer coisas que nunca conhecemos. Se calhar, para outros, a preocupação será o que pode acontecer ao cão ou ao gato. Para outros, a principal preocupação é a família, é sentir que a família fica bem”, aponta a psicóloga. Contudo, para esta profissional de saúde na área dos cuidados paliativos, existe uma pretensão que é muito comum à maioria dos doentes terminais e que vai para além do acompanhamento de qualidade nas vertentes de saúde, espiritual e social: o medo do sofrimento. “Quando perguntamos o que era muito importante naquele momento, a maioria das pessoas não diz ter medo de morrer, mas de sofrer”, afirmou Cristina Pinto, perante um auditório com cerca de 200 participantes.

Perante este cenário, importa, por isso, perceber que “estratégias” estão ao serviço de todos os agentes que acompanham os doentes em cuidados paliativos. Segundo a psicóloga, o ponto de partida é perceber que “cada pessoa que temos à nossa frente, é única”. Depois, um fator importante é a “simpatia”, sobretudo no “primeiro impacto”. De seguida, a empatia. “É algo muito mais profundo e que é fundamental” no processo de acompanhar o outro e que passa por ser capaz de “aprender, momento a momento, a experiência que ocorre no mundo interno do outro sem que a sua própria identidade dissolva o processo de empatia”, apontou. Contudo, o simples facto de compreender a situação de um doente em fim de vida exige mais, exige “compaixão”, que nada tem a ver com “ter pena”. “É fazer algo, é ir além da empatia, compreensão do que ele está a viver. É ser proactivo na ajuda ao outro. É uma emoção, é um sentir perante o sofrimento do outro. É estar com ele no seu tudo, sobretudo na sua situação mais frágil”. Assim, “podemos ajudar a reduzir esse sofrimento”. “É um passo muito importante”, atestou Cristina Pinto.

 

Dar sentido ao sofrimento

A necessidade de “acompanhamento” aos doentes em cuidados paliativos não é uma carência apenas dos próprios. À sua volta, está a família que, muitas vezes, precisa de passar por várias fases onde, depois de enfrentar o diagnóstico do seu familiar, passa por um processo de reorganização, onde muitas vezes são obrigados a mudar de emprego, habitação e experimentam uma “redefinição dos papéis” para viverem aquela situação. Depois, o momento da morte. “Este é um momento muito importante porque, sobretudo aqui, não podemos deixar as famílias sozinhas! Neste momento, não temos que estar a fazer juízos de valor, temos que ouvir e dar um sentido ao sofrimento destas pessoas, compreender as suas necessidades, detetar os sinais de sofrimento que possam ter e perceber como dar resposta a essas necessidades e sinais. Como? Através da comunicação”, apontou esta profissional de saúde.

“Dar sentido ao sofrimento”, proporcionando uma vida digna, é algo que deve estar presente no trabalho de cada profissional ou voluntário. “Somos todos nós, como sociedade, que temos o dever de proporcionar isso”, observa. Cada pessoa, mesmo estando a viver uma fase delicada da sua vida, “construiu um legado, que vai deixar para aqueles que viveram com ela. Ser importante não é ter uma estátua, muitos seguidores na internet ou aparecer na televisão. É esse também esse o nosso papel, em termos de comunicação e relação, que devemos transmitir a estas pessoas”, defendeu Cristina Pinto, na ação de formação sobre ‘Acompanhamento espiritual a doentes em fim de vida – na paróquia e no hospital’.

 

Esperança

Será “contrassenso” falar de esperança a um “doente que sabe que vai morrer”? “Ter esperança é ansiar por algo que nos traga satisfação. Apesar de estar num processo de doença grave, se calhar tenho esperança de que algumas coisas possam ser concretizadas”, observou a psicóloga Cristina Pinto, apresentando depois dois tipos de esperança. “Há aquela esperança concreta, mais física, que está associada a objetivos que fazem parte da nossa experiência individual, da pessoa e que pode proporcionar uma certa qualidade de vida; e existe uma outra esperança, ‘abstrata’, que pode ser a forma como o doente procura que os outros o recordem ou algo melhor que o doente encontrará, depois de morrer”, que a fé cristã concretiza na vida eterna.

Nesse momento crucial, há também algo que “marca muito” a forma como a família vai desenvolver o luto: saber se, no momento da morte, esteve alguém junto ao seu familiar. “Estarmos lá, naquela fase dolorosa, marca muito a forma como essa família vai desenvolver o luto”, sublinhou a psicóloga Cristina Pinto.

 

_________________


“Disponível para replicar a temática em toda a diocese”

O diretor do Departamento Diocesano da Pastoral da Saúde, padre Fernando Sampaio, faz um balanço positivo desta ação de formação, que contou com 200 participantes, e sublinha o cada vez maior interesse pela temática ligada aos cuidados paliativos. “Por um lado, porque está cada vez mais a despertar o interesse pelo acompanhamento dessas pessoas em fim de vida, pelo desejo de acompanhá-las e não as abandonar; e, por outro, pelos aspetos espirituais inerentes, que são fundamentais nessa circunstância. Apelam à esperança depois da morte, à esperança em Deus e na comunhão com Ele, mas também ao desejo de ajudar essas pessoas que partem e também das dificuldades que as pessoas têm, porque estes momentos da partida chamam sempre a atenção e as pessoas têm dificuldade em lidar com a morte e com quem está a morrer. Isso tem uma importância maior”, sublinha o sacerdote, ao Jornal VOZ DA VERDADE, mostrando-se disponível para “replicar” estas iniciativas em toda a diocese. “Este tema continuará a ser um objetivo da Pastoral da Saúde no Patriarcado de Lisboa, até porque, muitas vezes, ligado a estas coisas se põem questões éticas, questões do acompanhamento de quem está a morrer, e, depois, questões espirituais, naturalmente”, frisa o padre Fernando Sampaio, que é também capelão do Hospital de Santa Maria e do Hospital Pulido Valente, em Lisboa.

 

_________________


Fátima recebe seminário sobre acompanhamento espiritual e religioso

A Coordenação Nacional das Capelanias Hospitalares vai organizar o Seminário de Formação ‘Boas práticas no acompanhamento espiritual e religioso em cuidados paliativos’, nos dias 1 e 2 de abril, em Fátima. “A experiência da terminalidade humana é também um tempo especial para a experiência da espiritualidade. Acompanhar aqueles que fazem a aproximação ao seu ocaso significa ajudá-los a viver intensamente a última experiência da sua vida. E na aproximação ao doente terminal aprendemos, também nós, a viver e a distinguir o que na vida é verdadeiramente valioso”, salienta um comunicado da organização.

A iniciativa destina-se a todos os que acompanham doentes em cuidados paliativos, tais como capelães, assistentes espirituais, párocos, profissionais de saúde, estudantes, familiares, cuidadores informais, ministros extraordinários da comunhão, visitadores e outros agentes pastorais. “Acreditamos que este Seminário nos irá deixar um legado de boas ferramentas para uma prática quotidiana mais humanizanda e humanizante”, salienta a nota.

Inscrição e mais informações: http://bit.ly/2T0BEKb

texto e fotos por Filipe Teixeira
A OPINIÃO DE
Guilherme d'Oliveira Martins
A Santa Sé acaba de divulgar o tema da mensagem do Papa Leão XIV para o Dia Mundial da Paz de 2026....
ver [+]

Tony Neves
Domingo é o Dia Mundial das Missões. Há 99 anos, decorria o ano 1926, o Papa Pio XI instituiu o Dia Mundial...
ver [+]

Pedro Vaz Patto
No âmbito das celebrações do ano jubilar no Patriarcado de Lisboa, catorze organizações católicas (Ação...
ver [+]

Tony Neves
Há notícias que nos entram pelo coração adentro deixando-nos um misto de sentimentos. A nomeação do P.
ver [+]

Visite a página online
do Patriarcado de Lisboa
EDIÇÕES ANTERIORES