Uma “comunidade que anda ao mesmo ritmo” é o que marca a vida dos seminaristas que iniciam agora os seus percursos com vista ao sacerdócio. Em plena Semana dos Seminários, o Jornal VOZ DA VERDADE falou com o diretor do Seminário de São José de Caparide, padre Rui de Jesus, e com dois seminaristas, Bernardo e Cleiton, que iniciaram, este ano, o Tempo Propedêutico.
O Ano Propedêutico é o último passo para quem faz uma caminhada em seminário antes de entrar no Seminário dos Olivais e iniciar a licenciatura em Teologia. Este tempo, de um ano, é passado no Seminário de São José de Caparide, em São Domingos de Rana, que recebe rapazes que, na sua maioria, já concluíram o ensino secundário e durante um tempo, chamado de ‘propedêutico’, são guiados no discernimento sobre a sua vocação.
Há dois anos, com a aplicação das novas orientações da Santa Sé sobre a formação sacerdotal – Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis –, o atual edifício deixou de acolher também os alunos do 1º e 2º ano, que passaram para o Seminário dos Olivais. A orientação veio “confirmar as intuições” que já eram debatidas, entre os formadores da diocese, há mais de cinco anos. O balanço destas novas orientações, no entender do diretor do Seminário de Caparide, padre Rui de Jesus, é “positivo”. “O Ano Propedêutico, na nossa diocese, começou em 2001. Já nessa altura, a ideia era dar um tempo forte que permitisse aferir as motivações, pensar um pouco mais seriamente na vocação e nas bases cristãs, para, depois, se começar o estudo da Teologia. Nestes anos, fomos vendo como de facto era importante e como a nova Ratio veio reforçar e confirmar a nossa intuição”, refere o padre Rui, ao Jornal VOZ DA VERDADE, garantindo que “ajuda” o facto de se “ter uma comunidade que anda ao mesmo ritmo”.
Comunidade
É precisamente o “sentido de comunidade” que marca a caminhada dos 23 seminaristas (15 de Lisboa e 8 de outras dioceses, sendo 1 de Santarém, 1 de Leiria-Fátima, 1 de Aveiro, 2 do Funchal, 2 de São Tomé e Príncipe e 1 do Mindelo – Cabo Verde). Na Quinta da Ribeira de Caparide, às portas de Cascais, para além da vida em comunidade há também o contacto com a Palavra de Deus que marca o percurso de cada um dos seminaristas. “Neste momento e até ao início do Advento, temos dois dias por semana, à terça e sexta-feira, dedicados aos ‘módulos bíblicos’. Trata-se de viver o dia em torno de uma personagem bíblica. Tem uma parte mais catequética, mas também tem momentos de oração e partilha. Isso tem sido algo muito bonito na vida da casa porque, de facto, diante da Palavra de Deus e das personagens bíblicas, tem permitido a todos reconhecerem-se e verem-se diante de Deus”, explica o sacerdote. Os restantes dias são dedicados a algumas disciplinas, tais como História da Igreja, Espiritualidade ou Magistério da Igreja, para além de formação musical ou desporto. A quarta-feira de manhã é dedicada à perscrutação da Palavra, sobre o Evangelho do Domingo seguinte.
Na opinião do padre Rui de Jesus, que é diretor do Seminário de São José de Caparide há dois anos, “perceber que o Senhor nos fala através dos irmãos e que, portanto, é necessário conhecermos as capacidades e as fraquezas de cada um”, reforça ainda mais o sentido de comunidade “que é um dos aspetos fundamentais” deste tempo de formação.
Famílias
Recentemente, no Sínodo dos Bispos sobre ‘Os jovens, a fé e o discernimento vocacional’, que decorreu no Vaticano, o Papa Francisco e os Padres Sinodais sublinharam a necessidade de se contar com a presença de leigos e famílias na formação dos seminaristas. Para o padre Rui de Jesus, a experiência familiar é um “propósito importante da formação”. “Vemos que para os seminaristas é importante este contacto com as famílias, com as suas dificuldades e a beleza da relação esponsal e paternal”, sublinha. “Vamos convidando as famílias para virem cá, de vez em quando, e vamos tentando fazer com que o caminho de cada um dos alunos faça eco na sua família, ajudando-as também a caminharem com os filhos”, salienta este sacerdote, observando ainda a necessidade de se continuar a “fazer caminho” na comunidade paroquial de onde cada um vem e até a “manter e fortalecer a relação com o pároco”. Para isso, neste primeiro período, os seminaristas já tiveram um encontro mensal com as suas famílias, no seminário, um fim-de-semana alargado, em casa, e estão previstos mais uns dias em família, na semana após o dia de Natal.
Disponibilidade permanente
A presença dos leigos na formação dos alunos do Seminário de São José de Caparide é também uma preocupação para a equipa formadora que, para além do diretor, conta com o diretor espiritual, padre Filipe Santos. A presença da ‘Dona Ivone’, ao Domingo e à segunda-feira, é como se fosse “a presença de uma avó”. “É uma mulher de oração com quem os rapazes vão estabelecendo uma relação bonita, espiritual. Isso é importante”, salienta o sacerdote.
Para o padre Rui, “o maior desafio é o acompanhamento permanente, uma vez que eles não têm aulas fora do seminário. Essa disponibilidade permanente é bonita, mas desafiante, ao mesmo tempo. Depois, o caminhar com cada um e ao ritmo de cada um, na descoberta da vontade de Deus. Isso é um desafio muito grande porque não há uma receita que se possa aplicar a todos. Cada um precisa de um acompanhamento diversificado. Isso é muito desafiante”, aponta.
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Bernardo Marques Pinto
21 anos
Paróquia de São Martinho, Sintra
Nasceu numa família “tradicionalmente cristã” e sempre foi tendo uma “vida paroquial” ativa, na catequese e nos acólitos, até aos 15 anos. Foi então que Bernardo Marques Pinto começou com as primeiras inquietações vocacionais. Mas, com a entrada no liceu, a sua vida mudou, o grupo de amigos também e começaram a surgir as primeiras questões sobre o que acredita. Afastou-se da Igreja, até ao 11º ano, momento em que as três irmãs e os pais o convenceram a entrar nas Equipas de Jovens de Nossa Senhora, em Lisboa. Durante o curso de Economia, no ISEG, com o desafio para participar na ‘Missão País’, “voltou a meter-se a questão vocacional”, refere, ao Jornal VOZ DA VERDADE. “Durante dois anos, fiz missões na Lourinhã e, durante um ano, em Castanheira do Ribatejo. As semanas de missão foram muito importantes para mim, mas não me apercebi ali que o Senhor me desafiava a entrar no seminário. No terceiro ano do curso, na Missão País, fui chefe da missão e percebi que o Senhor me queria, no ano a seguir, no seminário”, conta.
Estar disponível para arriscar
Após completar o curso, Bernardo entrou, em setembro passado, no Seminário de São José de Caparide. Alguns amigos já esperavam a decisão, mas outros ficaram “surpresos”, revela. A rotina passou a ser obrigatoriamente diferente, apesar de manter a mesma hora para acordar: 6h30. “Já estava habituado a acordar cedo porque vivi em Sintra e tinha que vir, todos os dias, para Lisboa”, graceja. “Em termos de tempo de oração, tem sido uma enorme graça, adaptei-me com muita facilidade. No princípio, o que me custou mais foi começar a jogar futebol, mas agora estou ansioso pelos sábados e quartas-feiras”, afirma Bernardo, revelando não fazer muito desporto. “Sou um grande fã de bancada, vejo muito desporto, mas jogar, nada”, admite.
Na resposta à pergunta sobre o que a Igreja pode esperar, enquanto seminarista, Bernardo é claro: “Uma entrega total, disponível para o serviço”. Esta convicção faz com que este recente seminarista esteja pronto para testemunhar o que o fez entrar no seminário. “Se alguma coisa nos inquieta, é porque está algo que precisa de ser discernido e, por isso, tem que se arriscar e estar disponível para arriscar. Vale a pena! Pode não dar em nada daquilo que estamos à espera, mas o Senhor surpreende-nos sempre e conforta-nos naquilo a que nos chama”, garante este jovem, da Paróquia de São Martinho, em Sintra.
Cleiton Ramos
18 anos
Paróquia de Santo António, Diocese de Mindelo, Cabo Verde
Para Cleiton Ramos, a vida em Igreja começou aos 8 anos quando entrou na catequese. Depois de ser batizado, com 14 anos, entrou para o grupo de acólitos. “Era algo espantoso estar ali, a servir”, afirma, ao Jornal VOZ DA VERDADE. Dois anos mais tarde, o pároco desafiou-o, durante as férias, a participar num encontro vocacional, “inesperado”. “Ali, tive muito confronto com a Palavra e testemunhos, de seminaristas e padres, que me tocaram muito. Depois, tive uma conversa com um padre que me falou sobre o que é ensinar e o que é dedicar-se ao serviço, o que marca a vida do sacerdócio”, recorda. Em uma semana, tomou a decisão de dedicar a sua vida “totalmente ao serviço”. Entrou para o Seminário de Cristo Bom Pastor, na Diocese do Mindelo, em Cabo Verde. Após dois anos, que foram “uma graça”, o Bispo, D. Ildo Fortes, antigo membro do presbitério de Lisboa, decidiu enviá-lo para Caparide, para um “maior crescimento e aprendizagem com outra realidade”.
Dimensão comunitária
Perante a notícia da vocação, a mãe de Cleiton Ramos ficou “surpresa”. “Quem sempre me apoiou foi o meu avô, qualquer que fosse a minha escolha. Para o meu pai, era igual. Ele também esteve no seminário e quando estava prestes a viajar para o Brasil, para continuar os estudos, desistiu”, conta, revelando que tem agora pela frente “um desafio” importante. “Sou chamado a dar testemunho de Cristo ressuscitado, mesmo no meio da minha família”, sobretudo perante os que são “totalmente contra” a sua fé.
Chegado a Portugal, “a adaptação, sobretudo ao ambiente académico, foi muito difícil”. “Sair do meu lugar de conforto e enfrentar uma nova realidade, era muito exigente e teve um gasto enorme”, revela. Contudo, a sua experiência de dois anos, em seminário, fez com que tivesse “ganho autonomia e maior responsabilidade”.
Em Caparide, Cleiton não esperava encontrar a dimensão comunitária. “Estava à espera que cada um vivesse a sua vida. O viver em comunidade, ajudando-nos uns aos outros a viver verdadeiramente como família”, surpreendeu este jovem cabo-verdiano. “Vivemos com os defeitos uns dos outros e aprendemos a viver com a pessoa, tal como ela é. Isso ajuda-me muito”, refere, tendo a certeza de ter encontrado, em Caparide, “um espaço espetacular para rezar”.
Segundo este seminarista, de 18 anos, a sua diocese pode esperar dele “disponibilidade para servir”. A quem está em processo de discernimento vocacional, Cleiton deixa uma palavra de incentivo: “Não ter medo de responder com firmeza a esse chamamento”.
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