22.10.2017
Guerra e paz
A lógica do medo e a ética da responsabilidade
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“Si vis pacem para bellum - Se queres a paz prepara a guerra” assim se exprimia o romano Vegetius no século IV, retomando um dito mais antigo. Pressupõe-se que, preparando-se para a guerra, se pode garantir a paz. É uma meia verdade; não é uma solução; não é uma base sólida para um amanhã seguro.
A Guerra Fria
O lançamento das primeiras bombas atómicas (a “Little Boy” sobre Hiroshima a 6 de Agosto de 1945 e a “Fat Man” sobre Nagasaki três dias depois) arrastou a reflexão para um patamar mais elevado. Em Outubro de 1962 o mundo ficou de respiração suspensa quando se deu o incidente da base de lançamento de mísseis em Cuba, que terminou com uma série de acordos tendentes à redução das tensões entre os EUA e a URSS.
Idêntica tensão reavivou-se nos últimos meses com a Coreia do Norte a efetuar o lançamento repetido de mísseis para o Mar do Japão. Foi o suficiente para despertar a ira e a fúria do Presidente Trump, que começou por dizer que “todas as opções estão sobre a mesa” até à ameaça da “fúria e um fogo jamais visto no mundo”.
O mundo teme e treme e com razões para isso. É que a falta de bom senso continua presente nos humanos. As ogivas armazenadas no mundo são suficientes para acabar com ele. Criam o equilíbrio do medo, alimentam uma nova “guerra fria”, em que as partes têm consciência de que a sua utilização exclui a hipótese de haver vencedores, porque todos sairão derrotados, tal o seu poder de destruição.
O Prémio Nobel da Paz
Não foi por acaso que o Comité Nobel Norueguês atribui o Nobel da Paz à ICAN (Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares). Quando isto foi anunciado no passado dia 6 de Outubro, em Oslo, a Presidente Berit Reiss-Andersen justificou a escolha “pelo seu trabalho em chamar a atenção sobre as consequências humanitárias catastróficas do uso de armas nucleares e por seus esforços pioneiros para conseguir um tratado de proibição destas armas”. Acrescentou ainda “um apelo para que estes Estados iniciem negociações sérias destinadas à eliminação gradual, equilibrada e cuidadosamente supervisionada das quase 15.000 armas nucleares existentes no mundo”.
A Igreja nessa caminhada
Na mensagem enviada pelo Papa Francisco à Conferência de Viena, em 07.12.2014, sobre o impacto humanitário das armas nucleares, afirma que “a dissuasão nuclear e a ameaça da destruição recíproca não pode ser a base de uma ética de fraternidade e de coexistência pacífica entre povos e Estados… É tempo de contrastar a lógica do medo com a ética da responsabilidade.” Afirmando isto faz-se eco daquilo que o Papa João XXIII escreveu na Pacem in Terris apelando a “um desarmamento integral, que atinja o próprio espírito (n. 113)”, sem o qual não se pode afastar o medo e a psicose de uma possível guerra; e, logo no n. 16 retoma o aviso de Pio XII: “nada se perde com a paz; mas tudo pode ser perdido com a guerra”. Recorda ainda o n. 78 da Gaudium et Spes que diz que “a paz não é a ausência de guerra, nem se reduz ao equilíbrio entre forças adversas, nem resulta de uma dominação despótica.”
O Catecismo da Igreja Católica estabelece no n. 509: “O princípio da não proliferação das armas nucleares, juntamente com as medidas de desarmamento nuclear, bem como a proibição dos testes nucleares, são objetivos estreitamente ligados entre si, que devem ser atingidos o mais rapidamente possível mediante controles eficazes no plano internacional.” Entende-se a pressão sentida pela Coreia do Sul, onde a Comissão Episcopal Justiça e Paz, em comunicado, apela aos vizinhos do Norte que “abandonem o desenvolvimento das armas atómicas… que trazem um grande perigo espiritual e corporal de destruição e morte” e deixa um recado aos concidadãos do Sul referindo que “continuando a inspirar sanções contra o regime do Norte, vocês não fazem outra coisa do que aumentar a tensão; o objetivo autêntico de cada sanção deveria ser o de abrir a porta ao diálogo e à negociação… não é justo fazer sofrer os povos e especialmente os mais fracos… Não abandonem o diálogo.”
texto pelo P. Valentim Gonçalves, CJP-CIRP