A primeira obra bíblica da criação é a luz: “Faça-se a luz!” Condição para se ver e, ao mesmo tempo, tarefa de a levar onde houver trevas. Pois nascer não é também ser “dado à luz”? De olhos e de luz ninguém fala melhor que os poetas, como o Vinicius de Moraes: “Quando a luz dos olhos meus / E a luz dos olhos teus / Resolvem se encontrar / Ai que bom que isso é meu Deus / Que frio que me dá o encontro desse olhar [...]”. De luz, de ver e ser visto, não se constrói a necessidade (saudável ou não?) de “publicar” uma imagem, um passo da vida, um olhar sobre o mundo nas redes sociais? Vemos, mas também permanecemos cegos para tantas pessoas e coisas. E repito aquela ideia de Fynn no seu (único?) livro, “Senhor Deus, esta é a Ana”: “Cada pessoa tem um ponto de vista; Deus tem a vista de todos os pontos!”
A cegueira fazia parte na lista das doenças que, na religião judaica, correspondia a um castigo de Deus devido ao pecado. Do próprio ou de um antepassado seu, que Deus não era para brincadeiras e castigava “os filhos pelo pecado dos pais até à terceira ou quarta geração” (cf. Dt 5, 9). Por isso um dos sinais do Messias seria a cura dos cegos, e faz parte do “cartão de apresentação” de Jesus ao pedido de João Baptista. Cego seria também o que não lia a Lei, e por isso os seus intérpretes e estudiosos, julgavam-se capazes de “ver como Deus”. Sempre a tentação humana de colmatar o silêncio de Deus perante as atrocidades religiosas com rigorismos, exclusões, condenações e afins. São os tais “piores cegos porque não querem ver”, ou então, “que querem impor o seu ponto de vista”. Somos deste barro e manifestamo-nos assim em muitos lugares, especialmente os que conferem poder sobre os outros. E damos crédito à escuridão!
Mas porque Deus não vê como o homem, que fica preso às aparências, e vê com o coração (cf. 1 Sam 16, 7), quem julga que vê, afinal está cego! O caminho do cego de nascença curado por Jesus é admirável e verdadeiro modelo de discípulo de Jesus: do ver dos olhos passa para o ver Deus, e ver como Deus. Jesus quer precisar dum cego para interpelar os cegos que julgavam ver. Também o caminho do baptizado cuja vida se transforma quando mergulha em Cristo (a piscina onde o cego se lava tem o nome de “Enviado”), quando enfrenta a perseguição e exclusão da família e da comunidade, quando procura a verdade e se encontra com Jesus, aponta a gradualidade da fé: “Não sei”, “é um profeta”; “vem de Deus”, “Eu creio, Senhor!” mostra o seu crescimento. Tão diferente de rótulos e preconceitos que são bem mais fáceis pronunciar! E Jesus vem ao encontro de mais um excluído da religião, da instituição, e até da família!
Ver é uma responsabilidade. Para contemplar e nos maravilharmos com o que é bom e belo. Para melhorar o que está mal e iluminar o que é imperfeito. Para salvar e promover o que pode ser melhor. Ver é ver com outros, no exercício humilde da procura de mais luz, e na luta árdua contra a escuridão. Ver é estar presente e disponível a olhar como Deus olha, e com o seu olhar levar luz a tudo o que vive e respira. Como se fosse nosso o desejo do poeta Daniel Faria: “Soubesse eu estilhaçar a noite. Soubesse eu morrer / Iluminando”.
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