Artigos |
António Bagão Félix
Deus ajuda
<<
1/
>>
Imagem

A mensagem do Papa para a Quaresma intitula-se muito sugestivamente “A palavra é um dom. O outro é um dom”. Duas asserções unidas pelo ideal da justiça e pelo amor a Deus. Ou, por outras palavras, juntando tempo de renovação, de conversão e de purificação.

No texto, Francisco chama, veementemente, a atenção para o mal que advém da idiolatria do dinheiro, do egocentrismo do possuir e da indiferença perante o outro. Para isso, recorda-nos a parábola de Jesus sobre o homem rico (sem nome) e o homem pobre (com nome, Lázaro, que quer dizer “Deus ajuda”).

O Papa adverte para a primazia do dinheiro e da ostentação material como “o motivo principal da corrupção e fonte de invejas, litígios e suspeitas. O dinheiro pode chegar a dominar-nos até ao ponto de se tornar um ídolo tirânico”.

O nosso viver confronta-se invariavelmente entre a liberdade de se ser, a necessidade de se ter, a responsabilidade de se dar, a capacidade de se fazer, a exigência de se saber, o impulso de se amar.

Num tempo cada vez mais dominado pelas tecnologias poderosas e pela obsessão da circunstância, é, sobremaneira, entre o ser e o ter que nos vemos constantemente desafiados.

A economia da troca, tantas vezes sem regras morais e sem uma aragem sequer de sensibilidade para com os mais pobres, tem de ser completada com a economia do dom de que Francisco nos fala na sua Mensagem.

O dom do outro está associado a uma ética generosamente assimétrica: eu e o outro, eu e o todo. Não só dando ao outro o que dele é (justiça), como dar ao outro o que nosso é (caridade). Mas também, fortalecendo uma autêntica economia do dom, que promova o princípio ético da gratuitidade (dar sem perder e receber sem tirar).

No fundo, estamos sempre confrontados com os princípios fundamentais do ensinamento social da Igreja: centralidade e dignidade da pessoa, prossecução plena do bem comum, destinação universal dos bens e opção preferencial pelos últimos, pelos Lázaro da parábola.

“Em vez de ser um instrumento ao nosso dispor para fazer o bem e exercer a solidariedade com os outros, o dinheiro pode-nos subjugar, a nós e ao mundo inteiro, numa lógica egoísta que não deixa espaço para o amor e dificulta a paz”, sublinha o Papa Francisco.

Por isso, é imperativo combater a indiferença e o relativismo, a ditadura da aparência, o vazio do interior. O dinheiro e o progresso tecnológico são meios para o bem comum, não fins que escravizem pelo excesso (o rico da parábola) ou pela carência (o Lázaro da parábola).

Investiu-se no progresso, mas tem-se desinvestido no espírito. Só a partir do nosso interior se faz a mudança exterior. Ou, como conclui o Papa, “a raiz dos seus males é não escutar a Palavra de Deus”.