Uma chuva de morteiros iluminou o céu e fez estremecer o chão. As casas – o que resta das casas – desfizeram-se em pó. O estrondo dos rebentamentos sufocou muitos gritos de dor, de desespero. De morte. O ataque, na quarta-feira, dia 17 de Fevereiro, ao cair da tarde, apanhou quase toda a gente de surpresa pela violência com que o bairro foi atingido.
A casa de Faoud Banna colapsou esmagando este jovem de apenas 13 anos e deixando os seus pais gravemente feridos. Na sexta-feira seguinte, numa pequena cerimónia, o bairro despediu-se de Faoud. O Arcebispo Jean-Clément Jeanbart fez questão de participar no funeral. Da família mais chegada, apenas a irmã de Faoud esteve presente. Todos os outros já morreram ou já abandonaram a cidade. Rose, de 17 anos, chorava a morte de Faoud Banna e só pedia ao Arcebispo que não deixasse morrer os seus pais. Eles são tudo o que lhe resta. “Padre, por favor, peça a Deus que salve, que cure, os meus pais!”
As lágrimas de Rose
Este ataque contra o bairro cristão de Alepo foi apenas a mais recente tragédia que se abateu sobre a cidade. Por ali, todos estão de luto, todos têm, como Rose, os olhos marejados de lágrimas. Há mais de quatro anos que é assim quase todos os dias. As bombas rompem os céus num silvo que anuncia a morte e estatelam-se em sangue no chão em ruínas da cidade. Há mais de quatro anos que é assim. Os bairros cristãos têm sido particularmente visados. Jean-Clément escreveu-nos uma carta logo após o funeral do “pobre Faoud, que tinha apenas 13 anos”. As suas palavras permitem perceber um sentimento de perplexidade perante tanto ódio que se abateu sobre a comunidade cristã. “Estamos devastados”, disse, face a esta “tragédia” que está a ceifar as “nossas inocentes famílias, nesta cidade devastada por constantes e contínuos bombardeamentos”. O ataque de quarta-feira, dia 17, não matou apenas o pequeno Faoud. Outros cinco cristãos perderam também a vida no “bombardeamento terrorista”.
“Eu vou morrer…”
A cidade desapareceu. Estatelou-se no chão, em camadas de destroços que não permitem imaginar a urbe de outrora, cheia de sons, de gente, de cores, de alegria. Cheia de vida. Hoje, Alepo cheira a morte. Noutra ponta da cidade, noutro bairro onde vivem também ainda muitos cristãos, o Bispo Abou Khazen, vigário apostólico de Alepo, dá-nos conta de como a tragédia já faz parte do quotidiano, de como as pessoas têm uma enorme capacidade de adaptação a tudo, até ao horror. “Um destes dias – conta o prelado numa conversa telefónica com a Fundação AIS – um rapaz perguntou-me porque tinha de estudar.” Abou Khazen estranhou a pergunta mas o rapaz, também de 13 anos como Faoud Banna, atalhou a conversa com uma observação seca que calou logo ali os argumentos do Bispo: “eu vou morrer”.
Devastação total
Todos os dias Alepo morre mais um bocadinho. Todos os dias, alguém é atingido pelos bombardeamentos ou pelos tiros certeiros dos snipers que fazem, ao longe, tiro ao alvo a tudo o que se mexe na cidade. A devastação é total. Não há água nem electricidade. Diz o bispo: “Quase todas as nossas igrejas estão danificadas e algumas estão completamente destruídas. Os grupos jihadistas ocupam vários bairros, controlando quase dois terços da cidade. Nós temos medo, muito medo, dos bombardeamentos. Espero – acrescenta Abou Khazen – sinceramente que acabem”.
Armadilha gigante
Maria Guadalupe tem 41 anos, é argentina e pertence ao Instituto do Verbo Encarnado. Foi para Alepo para tomar conta de uma residência de estudantes pobres, quando a guerra civil a apanhou em cheio. Tudo mudou na sua vida. Nunca tinha escutado o som de um tiro e foi logo parar no meio de uma guerra. A Síria é hoje uma armadilha gigante, com milhões de pessoas em fuga, mais de 250 mil mortos e um incalculável sofrimento. “Já vi passar a morte muito perto de mim – afirma a Irmã Guadalupe. Foi apenas a uns metros, a uns minutos. Um dos ataques mais fortes que tivemos foi a cerca de 50 metros do episcopado onde vivemos. Tudo voou com a queda de um míssil. Não foi um projéctil. Foi um míssil que provocou 400 mortos e centenas de feridos”, diz, indignada. E acrescenta: “Basta de apoiar grupos terroristas! Basta de vender armas à oposição moderada, porque a oposição moderada na Síria não existe!”
Como sobreviver?
Alepo está desfigurada. Os ataques destruíram a cidade. As lâmpadas estão apagadas, as torneiras não têm água, as populações têm fome e precisam de ajuda, de cuidados médicos imediatos. No fim-de-semana passado, Rússia e Estados Unidos parecem ter-se entendido perante a necessidade de um acordo de paz que silencie os canhões, que faça calar as metralhadoras, que suspenda nem que seja por alguns dias o ritual dos bombardeamentos, da violência e da morte. Rose, a irmã de Faoud Banna, parece que carrega já todo o sofrimento do mundo nos seus ombros. Neste momento, para ela, só uma coisa conta: que Deus possa salvar os seus pais. As suas lágrimas são também sinal de desespero. Como pode uma rapariga de apenas 17 anos sobreviver sozinha numa cidade destruída como Alepo?
![]() |
Guilherme d'Oliveira Martins
A Santa Sé acaba de divulgar o tema da mensagem do Papa Leão XIV para o Dia Mundial da Paz de 2026....
ver [+]
|
![]() |
Tony Neves
Domingo é o Dia Mundial das Missões. Há 99 anos, decorria o ano 1926, o Papa Pio XI instituiu o Dia Mundial...
ver [+]
|
![]() |
Pedro Vaz Patto
No âmbito das celebrações do ano jubilar no Patriarcado de Lisboa, catorze organizações católicas (Ação...
ver [+]
|
![]() |
Tony Neves
Há notícias que nos entram pelo coração adentro deixando-nos um misto de sentimentos. A nomeação do P.
ver [+]
|