A questão da desigualdade de rendimentos no mundo inteiro tem sido objeto de vários estudos recentes.
Por exemplo, um estudo da organização Oxfam International, publicado em janeiro, intitulado Working for the few, revela que, no plano mundial, os 10% mais ricos detêm 84% da riqueza e os 70% mais pobres detêm apenas 3%. Sete em cada dez pessoas habitam países onde as desigualdades se acentuaram nos últimos trinta anos. Salienta esse estudo que alguma desigualdade pode ser reflexo da compensação do esforço e do mérito, mas os níveis de desigualdade hoje prevalentes vão muito para além disso. E traduzem-se não apenas numa desigualdade de resultados, mas numa desigualdade de oportunidades, uma desigualdade à partida, que para muitos impede ou dificulta o acesso à educação e ensino. Entre os fatores que explicam tão forte desigualdade contam-se as distorções do sistema fiscal: evasão, paraísos fiscais, reduzida tributação dos rendimentos de capitais face aos rendimentos do trabalho.
Um outro estudo, mais recente, publicado em maio, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (O.C.D.E.), intitulado In it together – why less inequality benefits all, revela que os níveis de desigualdade atingem atualmente o máximo dos últimos trinta anos. Na década de 80 do século passado, a proporção entre os recursos dos 10% mais ricos e os 10% mais pobres era de 1 para 7. Hoje é de 1 para 10. Numa lista de 33 países, Portugal ocupa o 7º lugar dos mais desiguais. Como indica o título deste outro estudo, a desigualdade a todos prejudica no longo prazo, pois retira oportunidades de investimento na educação e formação, o que funciona como travão do crescimento económico.
A globalização económica tem contribuído para um aumento global da riqueza e também, nalguns países, para a redução da pobreza. Mas os seus frutos têm sido repartidos de forma muito desigual, como se vê.
Dados recentes do Instituto Nacional de Estatística revelam que, em Portugal, se acentuou a desigualdade de rendimentos entre os mais ricos e os mais pobres. Em 2013, a proporção entre os rendimentos dos 10% mais ricos e os 10% mais pobres era de 1 para 11,1 (quando em 2010 era 1 para 9,4). As desigualdades em geral (não apenas entre os extremos mais ricos e mais pobres), medidas pelo chamado coeficiente de Gini, essas, não se acentuaram, por os cortes salariais terem atingido mais intensamente os salários mais elevados.
Há quem diga que a desigualdade será o preço a pagar pelo crescimento económico. É conhecida a tese do filósofo John Rawls: serão legítimas as desigualdades na estrita medida em que elas, por serem condição necessária e suficiente para incentivar a criação de riqueza, beneficiam a sociedade no seu todo, em especial os menos favorecidos. Mas o nível de desigualdade que conhece hoje o mundo (e que conhece a sociedade portuguesa) vai muito para além do que, de acordo com a tese de John Rawls, seria estritamente necessário para incentivar a criação de riqueza e beneficiar, assim, a sociedade no seu todo. A desigualdade assim legitimada seria uma desigualdade mínima, quando conhecemos uma desigualdade máxima. A experiência destes trinta anos tem revelado que os mais desfavorecidos não têm beneficiado todos, mesmo em termos absolutos, do crescimento económico.
Os níveis crescentes de desigualdade colidem com um princípio básico da doutrina social da Igreja: o do destino universal dos bens. De acordo com este princípio, Deus criou os bens da terra para o serviço de todas as pessoas sem exceção.
E colidem também com o princípio da fraternidade. Uma sociedade assim tão desigual não poderá ser uma sociedade coesa e fraterna. Uma qualquer comunidade não pode ser coesa e unida quando um abismo tão grande separa os seus membros. Esse abismo enfraquece o desejável sentimento comum de pertença. Numa família, entre irmãos, não são toleráveis desigualdades tão acentuadas.
A conferência anual da Comissão Nacional Justiça e Paz, que se realiza no próximo dia 7 de novembro, tem por título, precisamente “Sociedade desigual ou sociedade fraterna?” e pretende lançar a reflexão sobre este tema: a relação entre a desigualdade e a fraternidade.
A partir do célebre tríptico da revolução francesa (liberdade, igualdade, fraternidade), muito se tem discutido a respeito da eventual incompatibilidade entre liberdade e igualdade. Há quem admita sacrificar a liberdade em nome da igualdade, há quem admite sacrificar a igualdade em nome da liberdade. Num ou noutro caso (sacrificando um ou outro desses princípios), permanece uma lacuna no plano da realização do bem comum, isto é, o bem de todos e de cada um. Será certamente o terceiro princípio, a fraternidade, que alguns já designaram como “princípio esquecido”, que permitirá suprir essa lacuna e conciliar liberdade e igualdade.