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P. Duarte da Cunha
A moda dos desafios
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Há alguns anos, lembro-me de ter preparado uma apresentação sobre a situação da família em Portugal com a ajuda de uma socióloga, e ela ter-me sugerido dar como título à parte onde pensávamos colocar em evidência as preocupações e os aspectos positivos: “desafios”. Achei óptima ideia. Na verdade, quer o que está bem quer o que está mal é um desafio. A realidade em si é um desafio, e o conhecimento do que se passa deve sempre levar a um empenho na vida, seja para tentar corrigir o que está mal, seja para desenvolver o bem que já temos. Aliás, a vida é um desafio que Deus nos coloca. Dando-nos a vida e a liberdade, Deus desafia-nos a crescer e a desenvolver, garantindo que nunca nos deixará sós.

Nos últimos anos, verifico que se usa cada vez mais a palavra “desafio”. Talvez se tenha tornado uma moda. Não só na Igreja, mas em tantos âmbitos da vida, desde a política, ao trabalho ou à família. Tudo é desafio. E isso leva-me a perguntar se todos entendemos esta palavra do mesmo modo. Estou convencido que na base deste uso frequente está a convicção de que a vida é uma aventura que nos obriga a tomar decisões e a agir. Além do mais, falar de desafios evita quer uma atitude moralista e derrotista que se limita a dizer o que está mal, quer a atitude comodista que se contenta com o bem que já conseguiu.

Porém, o talvez excessivo uso da palavra “desafio” pode não ser sempre positivo. Por um lado, pode acontecer um certo escorregar do significado desta a palavra para se tornar cada vez mais sinónimo de problema; por outro lado, a banalização da palavra pode indicar uma atitude relativista. Com efeito, por vezes dizemos que uma coisa é um desafio para evitarmos dizer que é bem ou mal, aceitando, por isso, a ideia de que nada é passível de ser avaliado.

Apesar destes perigos, não creio que o uso da palavra desafio tenha de conduzir necessariamente ao pessimismo ou ao relativismo. Na Igreja, usamos muito a palavra desafio porque entendemos a vida em diálogo com Deus e nos sentimos chamados a fazer um discernimento moral sobre o que se passa, e não porque estamos fixados nos problemas. Quem acredita em Deus e experimenta o amor de Deus consegue, com a luz da fé, ver o que está bem e o que está mal e sabe que quer o mal quer o bem que acontecem requerem da nossa parte uma atitude positiva.

Dizer que algo é problemático ou está mal e tratar isso como desafio é, por isso, uma coisa boa. Significa que temos critérios de avaliação para discernir o bem e o mal, e indica que não só não se perdeu a esperança como também se reconhece a possibilidade de resolver os problemas. Porém, como dissemos, reduzir a noção de desafio ao que é problema é redutor. Na nossa vida há muita coisa boa que acontece que não é um problema e é um desafio, ou seja, é um convite a que nos esforcemos a nos mantermos no bom caminho e uma esperança de que o bem pode melhorar.

São frequentes os títulos de encontros eclesiais: desafios para a Igreja na Europa, desafios para a família, desafios para a pastoral juvenil, desafios culturais, etc. Se em linha de princípio sou entusiasta desta expressão por indicar a esperança e por obrigar a um discernimento e à tomada de decisões que levem à acção, começo a temer que também na Igreja, por detrás da palavra desafio se esteja a pensar sempre em coisas negativas: problemas, incompreensões, desajustes entre a cultura actual e a nossa fé. Não que não haja muitos problemas neste mundo para a Igreja e para os cristãos, contudo estes não são a única realidade e não são os únicos desafios.

Acredito e experimento que Cristo está vivo: como posso pensar que tudo é problema? A vida está cheia de sinais de esperança e graças a Deus há muita coisa boa a acontecer, há muita família feliz, há muita gente a ajudar outros, há muita gente a ultrapassar crises, numa palavra: há muito amor nesta vida. E é precisamente isso que mostra que vale a pena enfrentar os problemas e as coisas boas como desafios e nunca desistir.