Artigos |
Guilherme d’Oliveira Martins
«Laudato si' - sobre o cuidado da casa comum»
<<
1/
>>
Imagem
Não se apagaram da nossa memória as palavras do Papa Francisco quando iniciou o pontificado, salientando a sua vocação de guardião não apenas dos cristãos mas da humanidade. Essa tarefa «diz respeito a todos: é a de guardar a criação inteira, a beleza da criação, como se diz no livro do Génesis e (…) mostrou S. Francisco de Assis: é ter respeito por toda a criatura de Deus e pelo ambiente». Ora, como estava prometido, acabamos de receber a nova encíclica do Papa, «Laudato si», sobre questões ambientais e o cuidado da casa comum. O tema não poderia ser mais atual, referindo-se à desigualdade no acesso e na distribuição de recursos e à sobre-exploração da natureza. «A Terra não é um legado dos nossos pais, mas um empréstimo dos nossos filhos». Assim, se há tema fundamental que deva ser aprofundado nos dias de hoje, perante os efeitos da crise económica e financeira, é o da escassez de recursos naturais disponíveis e o da responsabilidade comum da humanidade em face da sua utilização.

É preciso uma revolução ética e económica contra a mudança climática e a crescente desigualdade. A «ecologia humana» obriga a ligar o cuidado em relação ao meio ambiente à defesa da natureza humana e da dignidade das pessoas. Do mesmo modo, importa salientar o flagelo da fome e do desperdício de alimentos, bem como os efeitos imprevisíveis do aquecimento global, da desflorestação e da poluição. Os temas são momentosos e obrigam a um especial cuidado em relação ao futuro. A ideia de um progresso ilimitado e sem limites é perigosa e tem gerado o agravamento das desigualdades e das injustiças, além de que o endividamento excessivo tem-se feito à custa de uma destruição descontrolada dos recursos naturais, de um consumismo egoísta e cego relativamente ao futuro e não numa lógica de partilha de riquezas. Um novo bezerro de ouro foi construído, prevalecendo o domínio global das entidades predadoras do planeta, que acumulam riquezas, enquanto aumenta o fosso entre ricos e pobres. Como afirmou o Papa Emérito Bento XVI, «a monopolização dos recursos naturais, que em muitos casos se encontram nos países pobres, gera exploração e frequentes conflitos entre as nações e dentro delas. E muitas vezes estes conflitos são travados no território desses países, com um pesado balanço em termos de mortes, destruições e maior degradação». Por isso, o Papa Francisco tem recordado que: «Deus perdoa sempre, os homens às vezes, mas a natureza nunca perdoa». Deste modo, em nome da preservação da natureza, a vida humana tem de ser reconhecida como centro das sociedades, em lugar do dinheiro, da especulação e da tentação dos ganhos fáceis e imediatos. Daí que a comunidade internacional, na expressão da encíclica «Caritas in Veritate», tenha o imperioso dever de encontrar as vias institucionais para regular a exploração dos recursos não renováveis, com a participação dos países pobres, de modo a planear em conjunto o futuro.

Como afirmou o Cardeal Peter Turkson, Presidente do Conselho Pontifício da Justiça e Paz, «grande parte do mundo permanece na pobreza apesar dos recursos abundantes, enquanto uma elite privilegiada controla a maioria da riqueza mundial e consome a maior parte dos recursos». Eis a encruzilhada em que nos encontramos. E recorde-se que teremos em 2015 a realização da Conferência Mundial do Clima em Paris, estando prevista uma intervenção do Papa Francisco na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 25 de setembro, para abordar os temas fundamentais da encíclica «Laudato si». Aliás, não esquecemos o que Maria de Lourdes Pintasilgo disse quando apresentou o documento «Cuidar o Futuro» da Comissão Independente das Nações Unidas para a População e Qualidade de Vida (1998): «a qualidade de vida aparece como o objetivo essencial, a partir do momento em que o limiar da quantidade (além do nível da mera sobrevivência) é ultrapassado. Deste modo, a qualidade de vida torna-se o princípio diretor a orientar um consumo sustentável – cujo aumento, por vezes, conduz a uma qualidade de vida mais baixa». A qualidade de vida deve, por isso, surgir como «um conjunto articulado de direitos e deveres, e como um objetivo claro tanto para os decisores políticos como para os elementos dinâmicos da sociedade civil». Não por acaso, o Papa começa a nova encíclica com uma citação do «Cântico das Criaturas» de S. Francisco de Assis: «Louvado sejas Senhor com todas as Tuas criaturas, especialmente o senhor irmão Sol, que clareia o dia e que, com a sua luz, nos ilumina…». Estaremos aptos a ouvir?