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Muitos portugueses ficaram perplexos e chocados ao saber das investigações por suspeitas de corrupção, primeiro de alguns dos mais altos responsáveis da administração pública e depois, mais ainda, de um antigo primeiro-ministro. Veio em evidência, além do mais e sobretudo, o grave risco de descrédito das instituições e dos políticos em geral, assim como de desprestígio e desonra do país no plano internacional.
Importa, porém, salientar que não se conhecem países imunes à corrupção, mesmo no que se refere aos mais altos responsáveis políticos. Talvez a diferença essencial seja não tanto entre países corruptos e não corruptos, mas entre países em que a corrupção está de tal modo institucionalizada que não se vislumbram formas de a contrariar, muitos cidadãos acabam por a alimentar sujeitando-se às “regras do jogo” quase como condição de sobrevivência e em relação aos quais, no plano internacional, outros Estados e organizações internacionais fingem ignorar o que para todos é notório; e outros países em que funcionam um poder judicial independente e uma imprensa livre que permitem a denúncia e a condenação desse crime. Devemos orgulharmo-nos do facto de nos situarmos no segundo desses grupos de países.
Sobre o poder judicial recaem, assim, grandes responsabilidades e grandes expetativas no que se refere à denúncia e condenação da corrupção, como de outros crimes praticados no exercício de funções públicas. Dele se espera que atue com independência e imparcialidade, no respeito pelos direitos de defesa. Independência e imparcialidade não apenas em relação ao poder político, mas também em relação ao chamado “contra-poder” e ao poder mediático. É frequente o chamado “julgamento pela imprensa” (“trial by the press”), o julgamento pela opinião pública (ou pela “opinião que se publica”), que condena precipitadamente, invertendo a regra jurídica da presunção de inocência no caso de dúvida em presunção de culpa à mais pequena suspeita e à mais pequena dúvida. Também em relação a esse julgamento, deve o poder judicial ser independente.
Essa expetativa dos cidadãos em relação ao poder judicial não deve, porém, ser sobrevalorizada, como se só dos magistrados se esperasse a “salvação da Pátria” e a moralização da sociedade. Do poder judicial se espera o controlo do poder político, mas não que a ele se substitua (como se fosse instaurada a “república dos juízes”), invadindo a esfera de competência que lhe é própria; pois não tem legitimidade democrática para tal e isso seria também abusar do poder e pôr em causa o equilíbrio de “feios e contrapesos” próprio da separação de poderes.
Tal significa que perante o descrédito dos políticos gerado pelo alastrar da corrupção, há que reagir à tentação de generalizar, como se os políticos fossem necessariamente corruptos e a política necessariamente o reino da desonestidade. É verdade que quem tem poder (na política, mas também na economia, na administração da justiça e em todos os domínios da vida social) está sempre sujeito à tentação de dele abusar e, por isso, deve estar preparado para resistir a essa tentação e para o exercer com parcimónia.
À cultura que gera a corrupção, que o Papa Francisco vem denunciando com vigor associando-a à idolatria do dinheiro, há que opor a difusão de uma outra cultura, que permita “reabilitar a política” (expressão que serviu de título a um famoso documento dos bispos franceses já com alguns anos): a cultura que a encara como serviço ao bem comum (“uma forma de caridade” – já o dizia o Papa Pio XI).
Cada um dos cidadãos não tem legitimidade para exigir dos políticos esse serviço ao bem comum se não se orienta, ele próprio, na vida cívica (na utilização de bens públicos, no cumprimento dos deveres fiscais, etc.) pelo critério do bem comum. Não é raro que coexistam na mesma pessoa a severidade no julgamento da desonestidade dos políticos e a condescendência com a desonestidade da sua própria conduta. A degradação ética da política muitas vezes reflete a degradação ética da sociedade.
A consciência do bem comum leva a dilatar o amor ao próximo da esfera interpessoal de proximidade às esferas mais amplas da comunidade local, nacional e universal. Reforçar tal consciência é um desafio lançado hoje à comunidade portuguesa. Só assim se poderá combater na sua raiz o fenómeno da corrupção e evitar o descrédito da política e das instituições.