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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
O último refém no Afeganistão
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Depois de cinco anos detido, está prestes a regressar aos Estados Unidos da América o sargento Bowe Bergdahl, o único militar norte-americano “desaparecido” no Afeganistão. Tinha sido capturado no dia 30 de Junho de 2009, apenas dois meses depois da sua chegada a esse país e, desde então, as forças especiais dos Estados Unidos tudo fizeram para o localizar e resgatar, o que só agora aconteceu. Ao que consta, Bowe foi trocado por vários talibãs afegãos detidos pelos norte-americanos. Embora o militar tenha sido encontrado em bom estado de saúde, permanece ainda sob observação médica e, por isso, ainda não fez declarações sobre a sua terrível experiência.

Sendo prisoneiro de um grupo talibã, o sargento Bergdahl foi incentivado a professar a religião dos seus raptores, que lhe proporcionaram, para este efeito, livros sobre a doutrina de Maomé, procurando incutir-lhe, desse modo, os princípios do Islão. Talvez pelo valor “comercial” da vida de tão precioso refém, não lhe exigiram que abjurasse da sua fé cristã, nem foi obrigado a fazer-se muçulmano. Mas é evidente que uma sua cedência, neste particular, aos seus sequestradores, tê-lo-ia beneficiado enormemente, quer aligeirando as duras condições do seu longo cativeiro, quer apressando e facilitando a sua libertação.

Bowe não só resistiu às tentativas para se converter ao islamismo como afirmou sempre a sua identidade cristã, nomeadamente celebrando as principais solenidades litúrgicas. Comemorava as mais importantes festas religiosas, como o Natal e a Páscoa, na companhia dos seus raptores, aos quais antes explicava o seu significado. Entendia-se com eles nas duas línguas locais, o pachtum e o dari, que entretanto aprendera.

Também nos países religiosamente hostis há espaço para uma afirmação cristã coerente, que seja respeitadora das outras religiões, mas que também se faça respeitar. Não o lograria um fundamentalista fanático, nem quem cobardemente enveredasse pela apostasia teórica ou prática. O cristão não deve impor aos outros, pela força, a sua crença, mas também não deve permitir que lhe roubem, ou amordacem, a sua fé, que, como ensinam os mártires, vale mais do que a vida.

Bergdahl não se deixou intimidar pelo ambiente contrário em que foi forçado a viver, nem procurou alcançar a liberdade à custa da fé. Se equacionasse a sua existência apenas em termos de satisfação pessoal, ou de qualidade de vida, decerto teria abdicado dos seus princípios religiosos, que lhe eram, humanamente falando, tão prejudiciais naquele contexto. Mesmo sem abjurar a fé, poderia ter optado por silenciar a sua condição cristã, obtendo desse jeito algumas vantagens de ordem pessoal. Contudo, não se deixou vencer pelos respeitos humanos e, em vez da cobardia de um silêncio traidor, deu testemunho de Cristo com a sua palavra e com o exemplo da sua coerência e da sua caridade cristã, também para com os seus inimigos.

Bem-vindo a casa, Bowe! Para o sargento Bergdahl, terminou agora, felizmente, a sua longa detenção, mas não o bom combate de fé. Também no ocidente, aparentemente cristão, são necessários fiéis que, não obstante os insistentes convites para negar ou silenciar, na vida pessoal, familiar, profissional ou política, a doutrina de Cristo, a saibam anunciar com a sua vida cristã, com a sua coerência, com a sua palavra e, sobretudo, com a prática da caridade.