Lisboa |
A última grande entrevista do Cardeal Policarpo ao Jornal VOZ DA VERDADE
“Não podemos anunciar a Palavra de Deus como uma rotina”
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Em outubro de 2011, por ocasião do encerramento do seu Jubileu Sacerdotal, D. José Policarpo concedia a última grande entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, onde considerava a rotina “uma ameaça muito grande à Igreja”. O então Cardeal-Patriarca testemunhava a sua história vocacional e garantia que “a força da Igreja” está em “ser uma comunidade crente”.

 

OBEDIÊNCIA

“Há um aspeto que para mim foi marcante e que eu consegui manter, graças a Deus, durante toda a minha vida: eu não era padre para fazer o que gostava; era chamado a gostar daquilo que me pediam, daquilo que me mandavam. (…) Isso acompanhou-me toda a vida! Mudei de projecto muitas vezes, mas aprendi a gostar daquilo que a Igreja me pedia. Isto é algo importante para os jovens sacerdotes e também para os cristãos!”

 

COMUNHÃO

“Construir a Igreja como experiência de comunhão é o grande desafio da pastoral em todos os tempos. No concreto da nossa Igreja de Lisboa, penso que estas celebrações do meu jubileu nos deram um testemunho muito vivo de comunhão. Isso deu-me muita alegria! Agora, nunca está tudo feito! Há sempre alguém que está de fora, alguém que não descobriu, alguém que descobriu e deixou arrefecer. Este é um caminho que só acaba no Céu! A Igreja é feita à imagem da Santíssima Trindade, onde todos encontramos a coisa mais preciosa da nossa vida por estarmos em relação de amor com Deus e com os outros, e não a partir de uma perspetiva individual.”

 

INDIVIDUALISMO

“Tem de se vencer a tentação do individualismo – que ainda não está totalmente feito –, para a descoberta de que a força da Igreja é ela ser um povo, ser uma comunidade crente. É essa dimensão que depois torna tudo possível!”

 

ROTINA DOS SACERDOTES

“Nós, sacerdotes, corremos o risco de entrar na rotina! Não acuso ninguém, mas penso nos sacerdotes da minha diocese, coitados, por vezes com quatro Missas seguidas… (…) Nas necessidades atuais, e procurando responder aos desejos desta ou daquela aldeia, eu compreendo que os jovens sacerdotes andem a correr de um lado para outro. Mas é uma ameaça tremenda, porque uma coisa que, para mim, é fundamental na nossa presidência da Eucaristia, é que nós não estamos ali de qualquer maneira! Nós estamos ali, no lugar de Jesus, a presidir à celebração da sua Páscoa! Eu não posso celebrar a ‘correr’, a ‘despachar’. Isto não está adquirido desde o princípio e, como tal, é um desafio contínuo.”

 

CONCÍLIO VATICANO II

O Concílio Vaticano II foi, no seu conjunto, uma grande ‘sacudidela’ para a busca de uma autenticidade. Passaram 50 anos! Mesmo a mensagem do Concílio também já sofreu o desgaste do tempo e da história. Portanto, é importante que de vez em quando haja este chamar à autenticidade, que nunca é uma repetição. Sendo a Igreja perene na sua mensagem, ela está muito entrosada com a vida do mundo, porque anuncia a homens concretos, não anuncia uma coisa teórica. A Igreja tem de escutar tanto a Palavra de Deus como os anseios dos homens.”

 

NOVA EVANGELIZAÇÃO

“Esse é o grande desafio da Igreja, o tema da nova evangelização! Não se trata de coisas novas. A história gasta tudo e a Igreja, ao longo de dois mil anos, sofreu também o desgaste do tempo. A principal manifestação do desgaste do tempo é a rotina. Fazer as coisas que sempre se fizeram, sem lhe apanhar o mordente. A diferença que há entre a primeira celebração vivida com fé e as celebrações rotineiras é muito grande! De vez em quando, tem de haver um alerta, dinamismos internos da Igreja para voltar a descobrir, adaptado ao tempo que passa, o ardor e a frescura da Verdade inicial. Porque a Igreja é sempre a mesma ao longo dos séculos. Aquilo que nós temos para dar e para viver é perene, é a Páscoa de Jesus, a sua Palavra, o seu Evangelho, e isso vale tanto há dois mil anos como hoje. O que nós temos de vencer é esta rotina! A rotina de considerar a Palavra de Deus como um assunto de estudo, de considerar a liturgia como uma coisa que se espera que passe – e isto é tanto verdade para os padres como para os cristãos – e de voltar a fazer de cada momento desses, um momento com a densidade como se fosse a primeira vez ou como se fosse a última! (…) Penso que acabará por dar frutos e marcar o rosto da Igreja e o seu contributo para a sociedade global, no seu conjunto. Um dos contributos que a Igreja dá à humanidade de hoje é suscitar a esperança! Mas cautela, é preciso não identificar a esperança com as expectativas humanas. A esperança cristã tem sempre uma raiz que é Nosso Senhor Jesus Cristo e a esperança de uma vida nova. A esperança não é desligável de um projeto de eternidade, realizado no tempo, mas um projeto de eternidade.”

 

O SILÊNCIO

“O silêncio hoje é uma fome, é uma necessidade fundamental. Este silêncio não é necessariamente ausência de ruído. A ausência de ruído ajuda ao silêncio. Para fazermos uma pedagogia de silêncio na nossa vida convém termos períodos em que estejamos mesmo em silêncio. O silêncio é a paz com Deus! O silêncio é o silêncio de Deus, que para nós é um mistério muito grande. É o participar, em cada momento, de uma outra dimensão da vida que não é aquela que eu consigo imediatamente. O silêncio está muito ligado ao anseio de profundidade. A superficialidade é sempre contra o silêncio. (…) O silêncio é uma experiência de interioridade. A oração é sempre a participação no silêncio de Deus. A oração é certamente a expressão principal dessa pedagogia do silêncio, mas por vezes é um silêncio muito atravessado por mensagens. Não é um silêncio pacífico, porque Deus precisa de tempo para se nos manifestar e revelar.”

 

BELEZA E CULTURA

“A cultura é o espírito humano à procura da sua profundidade. Hoje há teorias que querem pôr isso em questão, mas não há dúvida nenhuma que no Homem, criado à imagem de Deus, há um universal humano comum a toda a humanidade. Mas para além desse universal humano comum, há uma variedade que vai quase de pessoa para pessoa. Uma riqueza enorme! E estarmos atentos a isso é uma maravilha! A cultura, em princípio, respira esse universal humano e essa variedade de povos e de pessoas. A beleza é outra coisa. A beleza faz parte da cultura e é uma atitude contemplativa. A autêntica beleza é sempre experiência de uma dimensão transcendente. Sou muito sensível à beleza natural, porque ela tem a marca do Criador; mas sou particularmente sensível à beleza que saiu da síntese humana do artista. A beleza é sempre um anúncio! E um anúncio de que a realidade que vivemos é mais do que este imediato, dos problemas, das coisas…”

 

FAMÍLIA

“A pastoral familiar, a meu ver, devia começar muito antes do casamento. (…) Não basta uma pessoa chegar ao casamento e querer uma cerimónia religiosa somente porque é mais bonita, porque é tradição ou porque os avós ou a mãe ficavam muito tristes se assim não fosse. (…) Penso que a Igreja tem de ter um trabalho com namorados e com noivos, que já existe, mas que caiu na rotina. Outra dimensão que tem sido mais difícil é o acompanhamento casal a casal. (…) Nós, neste momento, casamo-los na igreja, presidimos à cerimónia e abandonamo-los…”

 

JUVENTUDE

“Nesta massa juvenil que está hoje em sintonia com Jesus Cristo e com a Igreja, há duas características: há uma redescoberta do essencial cristão, mas numa linguagem nova! Os jovens não têm dificuldade em se abrir ao perene, em encontrar sintonia com aquilo que eu fui como jovem. Mas a linguagem é outra! (…) A Igreja do futuro será o que estes jovens forem! As famílias que eles constituírem. Os filhos que educarem. Se forem capazes de manter esta ‘chama’ que agora têm na juventude… (…)

Penso que há um passo muito grande que esta juventude tem que dar, que é descobrir, não apenas a partir das leis da Igreja mas a partir da exigência do amor e da comunhão a Jesus Cristo, o que é viver a vida nova do cristão. Mas descobrir isso em toda a linha: na linha do trabalho, da alegria, do divertimento, do amor.”

 

LEIGOS

“A Igreja povo do Senhor é o verdadeiro sujeito da missão, é o sujeito do amor de Cristo. Quem é enviado ao mundo é a Igreja. Não confundir depois a particularidade dos carismas, dos ministérios, da vocação de cada um com a missão da Igreja como um todo. Portanto, cada cristão que tenha consciência disso, sente-se tão responsável pela missão da Igreja e deve sentir-se tão chamado à santidade como eu me sinto como Bispo!”

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