O Cardeal-Patriarca de Lisboa apela à “co-responsabilidade dos cristãos” numa sociedade onde a tendência “é a do individualismo”. Na Catequese Quaresmal que dirigiu, de modo especial, aos políticos, gestores e empresários, D. José Policarpo recorda a importância de levar a Palavra de Deus e a Doutrina Social da Igreja para a vida diária.
"Um cristão que não mostra na sua vida o que é o Evangelho dificilmente evangeliza", afirmou o Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, manifestando a sensibilidade que existe “para a importância de dar testemunho”. Na 5ª Catequese Quaresmal, que proferiu na Sé Patriarcal de Lisboa, no passado Domingo, dia 25 de Março, D. José Policarpo dirigiu-se àqueles que considera serem os “construtores da comunidade” e recordou que nas catequeses quaresmais deste ano a sua preocupação tem sido a de "apontar caminhos para que a Igreja possa verdadeiramente, na sua missão, encetar e assumir este dinamismo novo", da nova evangelização. "Nós os cristãos fazemos parte da sociedade humana. Não somos estrangeiros”, observou o Cardeal-Patriarca, salientando que a liberdade que existe na sociedade “precisa sempre de um discernimento” e de “um sentido das coisas” que pode ser encontrado à luz da fé. “O cristão antes de tomar atitudes tem de perceber a realidade. Tem de escutá-la, e se ela for complexa tem de estudá-la para que, diante de desafios, problemas e situações concretas, a sua situação de liberdade seja a de cristão”, referiu. Nesse sentido, considera a fé “uma luz que pode iluminar a realidade”, agindo de forma discreta “sem o aparato das iniciativas organizadas”. Sentido da realidade à luz da fé Segundo D. José Policarpo, esta presença do cristão no meio da sociedade dos homens, “não abdicando daquilo que é a sua maneira de ver as coisas”, é a maneira de evangelizar “muito própria dos leigos porque são eles a presença mais significativa da Igreja no meio da sociedade”. Olhar a realidade numa perspectiva diferente é o desafio que se coloca a todos os cristãos porque, sublinha o Cardeal-Patriarca, “nenhum cristão está isento deste desafio de discernir o sentido das coisas e das circunstâncias à luz da sua fé”. “É talvez nestas circunstâncias que a expressão ‘luz da fé’ tem mais sentido. É aí que sentimos que a fé pode ser, realmente, a luz que nos esclarece, que nos ilumina o caminho da verdade, que sugere as opções da nossa liberdade. E isto pode levar o cristão a desafios muito concretos e exigentes", sublinha D. José Policarpo reconhecendo que "as sociedades contemporâneas são complexas". Coragem Com o passar do tempo, a postura das sociedades diante de determinados temas foi mudando, o que se torna um desafio que precisa da coragem dos cristãos. “Estamos longe do tempo em que quase espontaneamente a doutrina da Igreja orientava os grandes caminhos da vida comunitária humana. Hoje não! Mas não podemos abdicar disso e de ser corajosos para que as nossas atitudes sejam iluminadas pela fé", apela o Cardeal-Patriarca a poucos meses de ter início o Ano da Fé, proclamado pelo Papa Bento XVI. “A fé aparece como luz da consciência que ilumina a liberdade, aponta o caminho”, garante. Nas circunstâncias em que o cristão tem de dizer ‘sim’ ou ‘não’, o cristão "percebe que ser crente atinge a sua vida toda, não se esgotando em atitudes religiosas”, e nessas alturas se percebe “que não se pode separar o compromisso de fé dos compromissos humanos numa sociedade concreta, e nas circunstâncias concretas em que estamos", lembra D. José Policarpo. Reconhecendo que “a luz da fé pode levar a rupturas mas leva sempre a um discernimento da realidade”, o Cardeal-Patriarca sublinha, também que por esse meio se pode situar “cada momento da vida, cada opção a tomar, na perspectiva do Reino de Deus e não apenas nas perspectivas imanentes e utilitárias da sociedade”. “E isso é um anúncio! Pode ser silencioso, mas é um anúncio”, garante, destacando que esta postura assumida pelos cristãos pode ser assumida “quando se fazem leis ou quando se resolvem estruturas fundamentais da sociedade, quando se ensina, se governa, dirige uma empresa ou quando se decidem as grandes questões do futuro da comunidade”. Ver, julgar e agir Tomando como exemplo o movimento da Acção Católica Portuguesa, D. José Policarpo assinalou e explicou o método utilizado por este movimento como ajuda para a acção dos cristãos na sociedade, e que se sintetiza no 'Ver, Julgar e Agir'. Em primeiro lugar, "ver a realidade com objectividade. Não a imaginar, não a deturpar ou hipertrofiar. Perceber o que se passa, os desafios e as suas consequências. Discernir e iluminar a realidade com o que o Evangelho e a doutrina da Igreja dizem sobre uma circunstância em concreto. Só então, depois, tomar decisões. Passar para o combate da luta concreta por uma sociedade mais justa, fraterna e digna do homem", referiu. No entanto, este discernimento "tem de ser feito à luz da Palavra de Deus mas também com a Palavra da Igreja", considera D. José Policarpo recordando que "a doutrina da Igreja sobre a sociedade é hoje abundante". "Com a grande evolução social da Europa e do mundo, o magistério da Igreja não regateou o esforço de iluminar cada problema, cada dimensão e cada situação nova com a luz da fé tornada, nesse caso, magistério". Dignidade e respeito sagrado pela vida Concretizando, D. José Policarpo apresentou o que considera serem "os aspectos principais desta iluminação da realidade pela Palavra de Deus através do magistério da Igreja e que são desafios ao cristão em circunstâncias muito concretas". Assim, o Cardeal-Patriarca aponta "a dignidade da pessoa humana" como o primeiro aspecto a ter em conta, onde o "ser criatura de Deus e cidadão da cidade futura entra na compreensão dessa dignidade humana". Mesmo sem exemplificar, D. José Policarpo salientou que são "múltiplas e dramáticas as circunstâncias em que no nosso tempo a dignidade da pessoa humana é posta em questão". Confrontado com essas situações, "o cristão não pode ter duas opiniões nem dois caminhos", alertou o Patriarca de Lisboa. "Custe o que custar, o cristão tem de estar na primeira linha da luta daqueles que defendem em todas as circunstâncias, sempre, a dignidade da pessoa humana". Ligado a esta dimensão “está o respeito sagrado pela vida”, lembra D. José Policarpo. "A defesa da inviolabilidade da vida humana é hoje uma grande batalha. A vida como dom de Deus e sobre a qual nenhum outro ser vivo tem poder ". Dimensão comunitária A consciência da dimensão comunitária da sociedade e da vida é outro aspecto salientado por D. José Policarpo nesta 5ª Catequese Quaresmal. "Nós não somos um conjunto de indivíduos, cada um a lutar pelo seu bem, a pedir ajuda quando nos dá jeito ou a servir-se dos mecanismos da sociedade só para nosso proveito e nosso bem-estar”. “A vocação da humanidade é de comunhão", destacou. Ligada a esta dimensão comunitária “há a vitória sobre todos os individualismos, os interesses particularistas e injustos”, denunciou o Cardeal-Patriarca deixando a pergunta sobre o significado para uma comunidade de "uma decisão só motivada pelo interesse de pessoas ou de grupos". Por isso, acrescenta: “A luz da fé exige em cada circunstância que para além do bem particular nós identifiquemos o que é o bem-comum”. O bem da humanidade Integrado nesta dimensão comunitária, o Cardeal-Patriarca acentua o ‘destino universal dos bens’. “Ninguém é senhor absoluto daquilo que tem, nem das suas próprias fortunas. O destino daquilo que a terra produz e que o homem consegue com o seu esforço enriquecer e aumentar, é o bem-comum, o bem da humanidade”. Este espírito evangélico da vida “leva o cristão a abrir-se àquilo que é a alegria da partilha, do pôr em comum, construindo não apenas teoricamente mas, realmente, a comunidade dos homens”, salienta D. José Policarpo, reconhecendo que “há períodos da história do mundo e das comunidades em que é mais necessário e em que esse desafio se torna premente, porque é um desafio de cada momento”. A sociedade é obra de todos O terceiro aspecto que aponta, em que a doutrina da Igreja e o Evangelho “são luz para o discernimento que os cristãos podem fazer”, é a afirmação de que “a sociedade é obra de todos”. Nesta linha considera a co-responsabilidade como uma dimensão cristã a ter em conta porque, afirma, “todos nós somos co-responsáveis pela construção de uma sociedade digna do homem que respeite a vida, que partilhe, e tenha essa consciência do destino universal dos bens de todos”. Considerando como "um dos problemas sérios na evolução das sociedades contemporâneas", aponta que não é cristã a atitude de uma sociedade onde "os responsáveis são alguns e os beneficiários da sociedade são todos". “Isto não é cristão! Todos somos co-responsáveis! Quem se põe na atitude de beneficiário de uma estrutura colectiva começa por perder a própria grandeza da tarefa que nos incumbe de construir a humanidade”, assegura. Verdade, justiça e paz Por último, D. José Policarpo apontou “a verdade, a justiça e a paz” como “dimensões basilares para este estar no mundo”, alertando para o papel do cristão. “O cristão é cidadão de duas cidades: a dos homens e a de Deus”. Por isso, reforça, “tem de fazer sempre no seu coração e na sua inteligência a síntese desta dupla cidadania”. “Não tenhamos medo deste diálogo com o mundo em que vivemos", desafia D. José Policarpo, lembrando que o Concílio Vaticano II convidou a Igreja e os cristãos em cada circunstância “a não terem medo de olhar, com objectividade, para as coisas bonitas que existem à nossa volta e que são fruto de outros homens e mulheres, e identificar aí sinais que nos dizem que o Reino de Deus está mais perto”. “Que a nossa qualidade cristã seja luz e que possamos dizer, com todo o coração, como o diz a Constituição Apostólica Gaudium et Spes: As alegrias e as dores, as tristezas e o luto da humanidade de hoje são as alegrias e as dores dos cristãos, dos filhos da Igreja porque amamo-los como irmãos e somos co-responsáveis de uma única cidade que todos nós desejamos seja um dia a cidade de Deus”, conclui. ________________![]() |
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