1. Reunimo-nos hoje nesta Igreja Matriz de Oeiras, que foi durante tantas décadas a casa e o altar do Padre Fernando Martins, para celebrar a sua Páscoa definitiva.
Iluminados pela luz do Evangelho, sabemos que pertencemos onde esculpimos o que somos, com a vida e com os critérios da nossa existência; somos pertença do Céu porque aí estão escritos os nossos nomes (cf Lc 10, 20). Enquanto resgatados da morte, pela ressurreição libertadora de Jesus Cristo, os frutos e efeitos da nossa atuação no mundo como homens novos, viventes pelo sopro do Espírito, já não ficam limitados ao mero plano terreno, mas rasgam as fronteiras do tempo e lançam-nos para a eternidade. Esta é, porventura, a dimensão mais bela e fascinante da condição de redimidos no sangue de Cristo: não somos meros protagonistas no plano temporal, mas, pela fé e pela vida em Cristo, tornámo-nos artífices dos valores esculpidos na eternidade. Assim, agir na senda do Evangelho em docilidade ao Espírito, resulta em ações que não vão parar no vazio do temporário, mas que permanecem, e projetam-se para além do tempo, e até do mundo. São os frutos das vidas redimidas que estão embebidas no amor eterno do Pai. O nome do nosso irmão Padre Fernando Martins não consta só nos registos da nossa memória, ou no ficheiro da nossa saudade, nem tão pouco se limita a estar escrito nos anais dos projetos e comunidades onde serviu. O seu nome, a sua pessoa, pertencem ao Céu, à vida eterna de amor do Pai. Por isso, a nossa exclamação nesta manhã com São Francisco, cuja festa hoje celebramos, de que viver em Deus habilita-nos a avaliar a realidade na perspetiva de Deus. E São Francisco sentindo-se filho do Pai Celeste vivia numa atmosfera de fraternidade universal: à água chamava de irmã, ao sol irmão, da morte dizia “sorella mia” (“irmã minha”)… O Padre Fernando Martins, que fez da vida em Deus a sua permanente morada, soube-se e sentiu-se filho no Filho e, portanto, irmão de todos… na sua vida apostólica, do mais grandioso e audacioso projeto, às ações mais simples e quotidianas, tudo era por ele vivido num espírito de fraternidade, tudo estava sacio de eternidade, e agora, até a própria morte. Na sua vida em Deus, qual condição pelo dom da graça, nada se afigurava estranho, contrário ou adverso, mas tudo se tornava familiar e fraterno. Até mesmo a morte, até mesmo o sofrimento, até mesmo o peso dos anos.
Então, embora a morte nunca seja uma ocasião fácil, mesmo quando chega depois de uma vida longa e fecunda, o certo é que quando vivida a partir de Deus se deixa iluminar pela luz da Palavra: «Se morremos com Cristo, acreditamos que também com Ele viveremos» (Rm 6, 8).
2. O Padre Fernando parte com 101 anos de idade, depois de 78 anos de sacerdócio. Uma vida inteira entregue ao Senhor e ao povo que lhe foi confiado. Como ele próprio dizia: «O meu trabalho principal foi a humanização das pessoas. Um bom cristão só o será se for um bom ser humano». Estas palavras resumem a sua missão: aproximar o Evangelho da vida concreta, ajudar cada pessoa a descobrir que a santidade começa na humanidade, e que a fé não desumaniza, antes plenifica, dá mais sentido, mais sabor. Como o sal na comida, o Padre Fernando foi sempre capaz de fazer emergir aquilo que havia de melhor no coração de cada um e de todos aqueles com quem se cruzava.
3. Aqui, em Oeiras, onde chegou aos 43 anos, viveu outros 43 como pároco e mais 16 como pároco emérito. Construiu obras sociais, fundou grupos, criou comunidade, sempre preocupado com os pobres, sempre preocupado com os pequenos, sempre preocupado com os esquecidos. Foi precursor no exercício da caridade organizada, mas nunca esqueceu que o essencial não estava nas pedras nem nas instituições, mas nas pessoas. Quem o conheceu recorda o seu olhar direto, a sua palavra firme e, ao mesmo tempo, a sua proximidade e ternura pastoral.
4. Foi homem à frente do seu tempo, por vezes incompreendido, mas sempre fiel ao Evangelho. Soube sofrer por Cristo e com Cristo, sem desistir. Quantas vezes dizia: «Procurei ser sempre bom discípulo de Cristo. Nós somos homens de cabeça erguida e braços estendidos. Olhamos para o alto, para o Pai que está nos Céus, e olhamos para os lados, para os homens nossos irmãos». Nesta imagem sintetizava o que é o sacerdócio católico, chamado a ser verdadeira «ponte» entre Deus e os homens.
5. Hoje, a sua vida fala-nos ainda. Este sacerdote foi para Oeiras um verdadeiro profeta: lembrava a Palavra, celebrava a Eucaristia, cuidava da comunidade, para que o Reino de Deus acontecesse nesta terra. E a verdade é que Oeiras já não é a mesma depois da sua presença. Mas o mais belo é que o Padre Fernando, apesar das homenagens, condecorações e reconhecimentos, nunca deixou de ser simples. Com humor dizia a respeito do livro que recorda o seu ministério em Oeiras: «Vou ler o livro e ver quem fala mal de mim!». Assim o recordamos: padre, pastor, amigo, homem grato, humilde, profundamente humano e profundamente cristão.
6. Queridos irmãos, celebramos esta Eucaristia não apenas com lágrimas de saudade, mas sobretudo com um coração cheio de gratidão. O Senhor da messe chamou o seu servo fiel. Agora, esperamos que Ele lhe diga as palavras do Evangelho: «Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra na alegria do teu Senhor» (Mt 25, 23).
Rezemos por ele, para que descanse em paz. Rezemos também por nós, para que o seu testemunho não se perca, mas continue a inspirar. Que cada um de nós, seguindo a sua lição, procure ser cada vez mais humano para ser cada vez melhor cristão.
E peçamos a intercessão da Virgem Maria, Senhora da Purificação e Mãe da Esperança, para que o Padre Fernando contemple agora, para sempre, o rosto d’Aquele que o chamou desde jovem e que ele serviu até ao fim: Jesus Cristo, o nosso Bom Pastor.
Amen.
Igreja Matriz de Oeiras, 4 de outubro de 2025
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