Lisboa |
Homilia na 10.ª Peregrinação da Bênção dos Capacetes
“Assumimos o compromisso de, na vida e na estrada, sermos acérrimos protetores de todas as vidas”
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Queridos irmãos e irmãs, queridos motociclistas, peregrinos da estrada e da fé: 

1. Neste ano jubilar, colorido com os tons da esperança, todos nós fomos convidados a comparece neste Santuário, verdadeira casa da Mãe, para sentir o pulsar do amor de Deus que nos renova no compromisso com a vida e com a fraternidade, e vivifica-nos no Espírito de Deus com os seus valores de paz, de justiça e de serviço.

Viemos como filhos envolvidos na ternura maternal de Maria, fonte de inspiração para nós, para o necessário cuidado com os outros que encontramos nas estradas que percorremos. Apresentando-lhe os nossos capacetes para receberem a bênção de Deus, assumimos o compromisso de, na vida e na estrada, sermos acérrimos protetores de todas as vidas e incansáveis defensores da mais sublime dignidade de todos os seres humanos. Tal como o Capacete nos protege, também nós oferecemos hoje a Jesus, por Maria, a nossa disponibilidade para sermos guardadores dos mais elevados princípios e valores do evangelho e do verdadeiro humanismo, intrépidos arautos da condução segura e responsável. Por isso, ao voltar o nosso olhar para Maria, o seu sorriso de Mãe nutre a nossa fé e revela a sua presença e proteção que nos acompanha sempre, particularmente nas horas mais exigentes, de perigo e aventura; a sua companhia conduz-nos sempre a Jesus, nosso Salvador e seu Filho amado.

Apresentamo-nos, por isso, como peregrinos da gratidão: agradecemos o auxílio gratuito da Mãe que nos acompanha e guarda em cada viagem e que nos desafia a sermos gratos em cada quilómetro percorrido, porque Ela nos ilumina como estrela polar a apontar para Cristo que é o nosso Caminho, o nosso rumo, a nossa meta.


2. «Viajar», andar na estrada: surge como o paradigma que prepara, acompanha ou resulta dos acontecimentos fundamentais da história da salvação. Foi assim com a libertação do povo eleito quando saiu da escravidão do Egito e ingressou na terra prometida. A viagem é como um êxodo que nos faz sair de nós próprios para irmos ao encontro dos outros. E imprime um pouco deste seu carácter libertador em todos os percursos e viagens que nós fazemos.

Caros motociclistas, todas as vezes que andais nos vossos motociclos, cada trajeto que realizais, são muito mais que meras viagens ou passeios, são ações libertadoras. Libertam dos egoísmos, da arrogância, da superficialidade, do ódio, da solidão.

Também a vinda ao mundo de Nosso Senhor se desenrolou nos moldes de uma peregrinação. Ele irrompeu na história, assumindo a nossa natureza humana e quando concluiu a sua marcha terrena, regressou para o Pai. A sua presença no meio de nós como enviado de Deus é obra do Espírito Santo; o mesmo Espírito que nos mobiliza para a missão e impele a levar o Evangelho como critério de configuração da própria existência como caminho para Deus. Assim, não há viagem, nem percurso, que não possua um alcance espiritual, de nos aproximar sempre mais de Deus para progredir na comunhão com Ele. Quando alguém viaja num motociclo, ou outro veículo, não é só um corpo que se desloca, mas é a pessoa! E assim, nenhuma deslocação é apenas geográfica, ou espacial, também se realiza um movimento interior, uma caminhada espiritual que consiste num percurso libertador da alma; somos resgatados de manipulações ideológicas e de condicionalismos mentais, e enriquecidos com um crescente sentido de Deus, impelidos a uma maturação da fé em Cristo Jesus como o sentido da nossa vida.

Caros irmãos, parabéns pela vossa condição de motociclistas! Peço-vos «sede motociclistas de Deus, motards de Jesus Cristo». Fazei da viagem, de cada volta, uma ocasião para estarem mais próximos do Pai Misericordioso, que vos ama e ordena amorosamente para serdes instrumentos desse amor junto dos outros.

De facto, viajar nunca é um ato solitário. Andar na estrada coloca-nos sempre em comunhão: desde logo, com Deus que nos guia, com a natureza e com os irmãos que nos acompanham, com as comunidades e gentes que encontramos nas terras por onde passamos. Conduzir é bem mais do que técnica, revela-se como um exercício de responsabilidade, de respeito e de humanidade. A liberdade fascinante que sentimos ao acelerar precisa de ser sempre sustentada pela consciência e responsabilidade nos valores da justiça, da verdade, da lealdade, da camaradagem e da segurança.


3. Também hoje, a Palavra de Deus nos desafia a percorrer as estradas interiores e da sociedade. Amós denuncia com clareza as injustiças de quem espezinha o pobre e se deixa dominar pelo amor ao dinheiro (cf. Am 8, 4-7). A injustiça não surge do nada, nasce do coração humano e alastra pelas sociedades, gerando desigualdade, pobreza e exclusão. O Profeta lembra-nos que não se pode ser peregrino de estrada sem ser peregrino da justiça. A injustiça causa divisões e guerras, além de ser um rotundo fracasso do próprio ser humano; a justiça gera paz e fraternidade. Interpelo-vos a serdes reparadores da justiça! Para isso não é suficiente o voluntarismo social e antropológico, é preciso estarmos sintonizados com o coração e os critérios do próprio Deus.


4. São Paulo, apóstolo dos caminhos, percorreu estradas e lugares, viajou a pé, a cavalo, por barco e, se fosse hoje, certamente que usava sem hesitação o motociclo para levar o evangelho a toda a gente: que nos mostra e ensina ele? Ele recomenda: «preces, orações, súplicas e ações de graças por todos os homens» pois «quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade» (1 Tim 2, 1.4). Esta verdade é que só em Cristo reconhecemos cada ser humano como irmão e só na luz da fé descobrimos que a paz é fruto da justiça.


5. No Evangelho, Jesus alerta-nos: «não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (Lc 16, 13). O administrador da parábola foi esperto, ainda que infiel, porque soube olhar para o futuro e preparar o presente a partir dele. Também nós, peregrinos de esperança, somos chamados a construir o hoje inspirados pelo amanhã de Deus. A esperança cristã não é ilusão; é a certeza de que Deus nos espera no final da estrada e que, até lá, cada curva da vida pode ser percorrida com sentido.


6. Por isso, irmãos, deixemo-nos guiar por quatro grandes rumos espirituais:

 

  • Peregrinos da gratidão, agradecendo sempre à Mãe a sua proteção e ao Senhor o dom da vida e da estrada;
  • Peregrinos da justiça e da paz, levando para o asfalto e para a vida a consciência de que só no respeito e na fraternidade a estrada é segura e o mundo é habitável;
  • Peregrinos de esperança, configurando o presente a partir do futuro de Deus, que é plenitude e vida eterna.
  • Peregrinos de júbilo, pois é na alegria e na festa que nos tornamos família reunida na esperança.

 


7. Queridos motociclistas: cada viagem vossa seja uma parábola de fé; cada curva seja oportunidade de confiança; cada travagem seja um exercício de responsabilidade; cada chegada seja motivo de gratidão e de louvor. Assim a estrada tornar-se-á caminho de santidade.

E dirijo-me agora à Virgem, Nossa Senhora: gratuidade pelo auxílio que nos dais quando viajamos sobre rodas, a segurança que ofereceis para nos mantermos sobre os nossos motociclos e firmes na vida, particularmente nas horas do perigo. Nossa Senhora, desafiai-nos a ser peregrinos da gratuidade para vos agradecer, Mãe e Senhora de Fátima. Obrigado por colorirdes de significado o nosso viajar e acompanhai-nos e abençoai-nos, todos os dias! Ámen!


Santuário de Fátima, 21 de setembro de 2025
† RUI, Patriarca de Lisboa




A bênção do Papa Leão XIV

A 10.ª Peregrinação da Bênção dos Capacetes contou ainda com a bênção do Papa Leão XIV. Numa mensagem lida pelo reitor do Santuário de Fátima, Padre Carlos Cabecinhas, o Santo Padre disse unir a sua prece à de cada motociclista ali presente, “pedindo para todos o dom renovado da fé, que nos faz orientar a vida ao modo de Jesus: é Ele que guia os nossos passos e, em todas as circunstâncias, nos compromete seriamente com a proteção dos que põe no nosso caminho”.

Leão XIV lembrou ainda que “o esforço pessoal em prol da segurança rodoviária é expressão da caridade divina”.

fotos por Santuário de Fátima
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