“Pilatos perguntou-Lhe: – O que é a verdade?” Pilatos ficou sem resposta, ou estava diante dela e não a reconheceu. Nós sabemos que Jesus foi muito claro: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. O que quer dizer que, primeiro é preciso fazer caminho para poder reconhecer a verdade e, por consequência, receber a vida (e a vida em abundância!).
Deste caminho sabemos o ponto de partida (a nossa realidade) mas não sabemos os seus contornos. Não sabemos quando sobe ou quando desce, quando é estreito ou quando é largo, quando tem sombra ou quando será deserto. Não sabemos sequer quando acaba. Podemos até dizer, com o poeta António Machado: “Caminhante, não há caminho, o caminho faz-se andando”. Mas sabemos que é neste caminho que começa a nossa realização e que esta se revela em cada passo que damos na direção da verdade.
A realização do homem e da mulher é, assim, um movimento, não um momento; é uma estrada para se caminhar, não um lugar onde descansar e, se é verdade que o caminho da realização é “pessoal e intransmissível”, é também verdade que não é individual. A realização do homem e da mulher sendo pessoal, é sempre uma realização comunitária. O caminho para a verdade faz-se caminhando… com e para os outros. A verdade abre-nos aos outros e a Vida só se torna plena quando dada aos outros.
A família e o trabalho são, de uma maneira geral, os lugares por onde passa o nosso caminho de realização. Representam, no fundo, a totalidade da nossa realidade, o espaço privado e público onde a nossa vida se desenrola. Não será por acaso que o título deste artigo é “A família e o trabalho” e não “A família ou o trabalho”. Não são concorrentes, embora às vezes pareça. A família e o trabalho têm em comum um aspecto fundamental: são lugares de doação, da tal doação que permite a realização do homem e da mulher, aquela que nos conduz à Vida.
Tornar isto verdade no dia-a-dia não é fácil, não é óbvio e pode até ser doloroso. A realidade é que, para os casais que se propõem constituir família, como é o nosso caso, há vários troços do caminho em que Família e Trabalho parece que se apresentam como dois caminhos que é preciso escolher. Podemos recordar alguns momentos da nossa vida em que nos sentimos numa encruzilhada que nos obrigava a escolher “família” ou “trabalho”. Claro que a escolha nunca surge deste modo simplista, até porque como mostrámos, não se trata de realidades concorrentes, principalmente porque ambas (em princípio) nos conduzem ao mesmo fim, mas, de qualquer forma, há alturas em que é preciso tomar decisões.
Por princípio, numa fase em que os filhos são mais pequenos, em caso de ser necessário optar, a família tem prioridade. A responsabilidade que assumimos ao participar no processo criativo de Deus através da paternidade e maternidade é enorme e só pode ser central na nossa vida. O tempo é um bem precioso, escasso e muito necessário na construção de uma família. Que tempo queremos dar à nossa família? Como alimentamos a nossa relação de casal? Como desenvolvemos uma relação pessoal com cada um dos nossos filhos? Como promovemos o sentimento de pertença de cada um a este todo que é a nossa família? Principalmente nos primeiros anos, a influência que temos nos nossos filhos é decisiva e é preciso ter consciência disso. Por outro lado, a característica diferenciadora de uma família cristã é que tem as suas portas escancaradas para receber o outro. Numa sociedade tantas vezes violenta e contrária aos valores cristãos, é tentadora a ideia de fazer da família um espaço seguro com uma cápsula de proteção contra os males do mundo. Pode ser por uma certa arrogância disfarçada de medo, mas há a tentação de pensarmos que é possível trilharmos o caminho da Verdade, que é possível realizarmo-nos enquanto homem e mulher se, no nosso casamento, com os nossos filhos e, até podemos incluir aqui a família alargada e alguns amigos próximos, vivermos os valores cristãos. Podemos cair na tentação de descansar na ideia de que educamos os nossos filhos na fé, participamos em algumas obras de caridade, esforçamo-nos por viver a ética cristã no trabalho e, por isso, estamos no caminho certo. É uma tentação e sabemos de onde vêm as tentações. Parece bem, parece suficiente, mas não é. A família e o trabalho são caminho de realização, como aqui a entendemos, se forem para nós ocasião de abertura ao outro, a qualquer outro, em especial ao outro que mais necessita.
Todos os dias somos chamados a tomar pequenas ou grandes decisões. Todas as nossas decisões têm impacto, em maior ou menor grau, de forma mais ou menos evidente, na vida de algum outro (familiar, amigo, colega, vizinho ou “ilustre desconhecido”), todos os dias temos de nos lembrar que somos cristãos, o que quer dizer que (e apesar de às vezes parecer loucura) damos a vida pelos outros!
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