Editorial |
P. Nuno Rosário Fernandes
Tornar o amor radical
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Recordo, nos meus tempos de infância, como gostava de brincar e tão facilmente se criavam brincadeiras a partir de qualquer coisa. Os baloiços, os escorregas, onde até perdi aquele último dente de leite que tanto abanava e não caía; a bicicleta que gostava de montar e da qual caí abaixo porque quis fazer a avaria do “sem pés e sem mãos”; o skate que me permitia descer a avenida até casa e ter os joelhos esfolados; as corridas de caricas, talvez essas fossem as menos ‘perigosas’; e até o berlinde e o peão, este último para o qual confesso que não tinha grande jeito. Mas tudo isto era brincar, fora de casa, na rua, às vezes, até, subindo às árvores, o que parece ser hoje um desporto radical. Mas lá no alto, sentia-me como Zaqueu, querendo ver o que se passava em baixo, talvez à procura de alguma coisa...

Bem sei que os tempos, agora, são outros e as brincadeiras também. Mas vou percebendo que, hoje em dia, não se brinca ou não se sabe brincar. Os brinquedos de hoje são verdadeiras ‘amas’ que servem para entreter os meninos porque os pais não têm tempo para os seus filhos. Em casa, os jogos eletrónicos, nos smartphones ou nos tablets que eles parecem nascer a saber usar, transformam-se nos seus melhores amigos. Não sei se lhes contam, também, as aventuras que fazem ou se dizem ao tablet “o meu pai é melhor que o teu porque faz isto ou aquilo”, mas o certo é que o brincar de hoje é isolado e cada vez gera maior isolamento. Mas se os equipamentos eletrónicos se transformam na ‘ama’, em casa, parece que também levam a ama atrás, mesmo quando saem. No restaurante, vemos o pai, a mãe, o filho, cada um focalizado no seu ecrã táctil. Ou então, talvez porque não haja conversa para ter à mesa com a criança, que até precisa de aprender a saber estar com os outros e uma saída com os pais será sempre oportunidade de criar relação, deixa-se que a ama virtual ocupe o espaço e assim a criança até nem se porta mal porque está entretida. Mas será que a ama virtual substitui a relação paternal ou maternal? Substitui o afeto, o conhecimento, a criação de relação, a socialização?

No dia em que escrevo este texto, vi a notícia de que um estudo feito em Portugal pelo Instituto Politécnico de Coimbra refere que a maior parte das crianças brinca na escola e só 2% das crianças brinca na rua. “Os pais não brincam com as crianças por falta de tempo, e crianças com 10 anos não sabem andar de bicicleta e têm dificuldade em descer uma árvore que tem um metro de altura”, referia à Renascença o coordenador deste estudo, Rui Mendes, lembrando que “o que era algo perfeitamente básico do ponto de vista motor, passou a ser quase uma atividade radical”.

Podem existir muitas justificações para o efeito e não as critico, mas sinto que, para evitar todas as consequências que daí possam advir, é preciso tornar o amor radical porque o tempo passa e não volta atrás.

 

Editorial, pelo P. Nuno Rosário Fernandes, diretor

p.nunorfernandes@patriarcado-lisboa.pt

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