Sabe-se muito pouco sobre o dia-a-dia dos Cristãos na Coreia do Norte. No país governado com mão de ferro pela dinastia Kim, em que a simples posse de um exemplar da Bíblia pode significar a morte, muitos cristãos sofrem horrores nas prisões do regime.
O ano de 2015 foi trágico para Hyeon Soo Lim. Este missionário, de 61 anos, oriundo do Canadá, desenvolvia trabalho humanitário na Coreia do Norte quando foi preso. Acusado de conspirar contra o regime, de nada lhe valeu proclamar a sua inocência. Condenado a prisão perpétua com trabalhos forçados, é obrigado agora a abrir buracos nos terrenos do campo de concentração onde se encontra durante pelo menos oito horas por dia. Está incomunicável. No temível sistema repressivo da Coreia do Norte, o missionário Heyon Lim é agora o preso “036”. Heyon não é caso único. Tal como ele, há outros cristãos estrangeiros detidos na Coreia do Norte. Todos eles têm histórias incríveis, quase inacreditáveis. Todos conhecem, na pele, o verdadeiro inferno a que estão condenados todos os Cristãos neste país. O Padre Philippe Blot, um missionário francês que conhece como poucos a realidade deste país governado pela dinastia Kim, contou à Fundação AIS pormenores sobre o dia-a-dia de milhões de pessoas na Coreia do Norte. No país mais fechado do mundo, os Cristãos são vistos como inimigos e sofrem as mais horríveis perseguições.
Ditadura…
“A situação é dramática nos hospitais: não há antibióticos, pensos, nem mesmo sabão. Dou-vos um exemplo: para a administração de soro, utilizam garrafas de cerveja cheias de água fervida com açúcar”, explica o Padre Blot, acrescentando: “Tive oportunidade de visitar algumas escolas que ilustram a sub-alimentação crónica de toda a população, com a excepção dos dirigentes do regime, é claro. Uma criança norte-coreana com 7 anos mede em média menos 20 cm e pesa menos 10 kg que uma criança na Coreia do Sul”. Num país onde a corrupção impera, e onde tudo é controlado, todas as pessoas estão sob vigilância. Uma das coisas que mais impressionou este missionário francês nas diversas viagens à Coreia do Norte foi a ausência absoluta de deficientes nas ruas. “Fiquei muito espantado por não ver pessoas deficientes… O facto é que o regime norte-coreano, racista e eugenista, vive na obsessão pela pureza da raça e exclui as pessoas qualificadas de ‘anormais’, expulsando-as das grandes cidades”, explica Philippe Blot, acrescentado que todos vivem numa enorme ignorância sobre o que se passa no mundo exterior. Os refugiados norte-coreanos que conseguiram fugir do país descobrem com espanto uma realidade completamente diferente do que tinham ouvido desde pequenos… “O ditador é apresentado como um verdadeiro ‘deus’, uma referência incontornável para cada discurso, cada ensinamento, cada informação…”
Torturas…
Um ‘deus’ que é objecto de propaganda delirante. Em qualquer cidade ou simples aldeia encontram-se estátuas do avô, pai e do actual líder e todos os norte-coreanos são incitados a denunciarem os que não seguem este culto à risca. “Os norte-coreanos espiam-se uns aos outros, entre vizinhos e colegas, e denunciam qualquer falha de dever exigido pelo ‘grande Líder’... depois da prisão do culpado, reúnem a população e a família para criticar as transgressões do pseudo-delinquente, e segue-se a deportação ou a execução pública.” E muitos milhares de norte-coreanos têm sido enviados, tal como Hyeon Soo Lim, para os temíveis campos de concentração. Calcula-se que, actualmente, entre 100 mil a 200 mil pessoas agonizam nesses campos. De novo, o testemunho do Padre Blot. “A brutalidade dos guardas é o pão de cada dia destes prisioneiros – que trabalham dezasseis horas, sofrem torturas atrozes e assistem à execução dos mais recalcitrantes… De todos estes ‘prisioneiros políticos’, os que sofrem pior tratamento são os Cristãos, considerados como espiões e ‘anti-revolucionários’. De acordo com o regime são cerca de 13 mil, mas de acordo com as informações das associações humanitárias são entre 20 e 40 mil e são objecto do tratamento mais cruel: crucificam-nos, penduram-nos nas árvores ou em pontes, afogam-nos, são queimados vivos… Alguns testemunhos evocam torturas tão terríveis que a decência me impede de as repetir.”
Oração…
Ao longo dos anos, o Padre Blot tem acompanhado e ajudado os Cristãos que fazem parte da Igreja Clandestina na Coreia do Norte. Muitos têm procurado fugir do país. Outros são apanhados. Há dois anos, explica o Padre Philippe Blot, uma mulher grávida, de 33 anos, presa por ter na sua posse vinte exemplares da Bíblia, “foi espancada e pendurada pelos pés em público”. Em Maio de 2010, foram presos vinte Cristãos que pertenciam a uma Igreja “clandestina”. “Três, foram imediatamente assassinados e os outros deportados. Pensa-se que, desde 1995, pelo menos 5 mil Cristãos foram executados simplesmente porque rezavam em segredo ou distribuíam Bíblias.” Invocando a intercessão de Nossa Senhora de Fátima para ajudar a “desfazer este muro comunista” e a ajudar os norte-coreanos “a encontrar a liberdade e a alegria de viver como filhos de Deus”, o Padre Blot pede-nos para não nos esquecermos destes cristãos que vivem no país mais fechado do mundo. Um deles é o preso “036”, o missionário Heyon Lim.
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