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Iconografia: O Coração de Cristo no centro da Arte Cristã
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Imediatamente vem à nossa mente a imagem tradicional do Sagrado Coração de Jesus! Cristo com vestes brancas, como o Senhor na Transfiguração, com um manto encarnado, cor da caridade e do sangue, debruado a ouro, como que rasgando as vestes fazendo-nos entrever o seu coração inflamado, ou seja, aceso com o seu profundo amor misericordioso! Um gesto indicador ou de apresentação centra-nos na imagem de um coração coroado por uma luz intensa e com uma chama flamejante de amor.

Como conhecemos, todos, esta imagem! Tão habitual, tão comum nas nossas casas ou igrejas. Tão presentes como objectos de devoção pessoal.

O coração é o que de mais profundo há no homem. É dizer o indizível. Referir aquilo que só Deus conhece através de um símbolo, aparentemente desgastado, mas tão cheio de força e de sentido se associado à pessoa de Jesus Cristo.

Quando refiro como título deste breve artigo “O Coração de Cristo no centro da Arte Cristã” não me refiro única e exclusivamente à representação tradicional e comum do Sagrado Coração. Refiro-me essencialmente à pessoa em si! Ele é centro de toda a representação de carácter cristológico. Desde o início a arte cristã radica na pessoa de Jesus. O grande sentido da mesma prende-se com o mistério da Encarnação do Verbo! A partir daqui, tudo ganha um sentido novo.

Quando observamos, quando contemplamos a imagem do Coração Santíssimo de Jesus no seu aspecto mais tradicional e comum não podemos esquecer a grande presença e a grande força de um símbolo que sempre marcou a humanidade. Um símbolo define-se como um movimento que permite a passagem da percepção sensível à realidade espiritual. Quando a Sagrada Escritura nos refere, por exemplo, a água viva, esta surge num contexto altamente simbólico. Conhecemos o que é a água e o que significa a expressão «viva». Ao associar o substantivo ao adjectivo compreendemos imediatamente que se trata de uma elevação daquilo que é a realidade «água». O aspecto sensível da expressão ganha um novo sentido, mais elevado. No caso referido, eleva-nos à certeza da acção do Espírito Santo que age na vida do que acredita.

No caso da referência ao Coração de Jesus não se parte do princípio do coração humano tal como ele é, mas da pessoa de Jesus Cristo crucificado, do lado aberto para chegar ao coração, raiz do mistério. Está aqui o sentido! O Coração torna-se símbolo do Mistério que se afirma, realiza e acontece em Jesus Cristo.

No fundo, o mistério do lado aberto remete-nos para o Mistério Pascal. O seu Coração para o Amor, ou seja, o sentido do Amor total de Deus que se cumpre na Páscoa. Do drama histórico da redenção passa-se à contemplação da fonte eterna de Vida e de Amor.

Associados à imagem do Coração de Jesus estão os sinais da sua paixão. Desde o século XIV esta imagem pretende ser um sinal da ressurreição. Na verdade, a representação do Coração de Jesus é sempre a do Ressuscitado: mãos e pés estigmatizados. A paixão de Cristo é a porta da salvação. Os símbolos da Paixão de Jesus acabam por ser a grande referência a este mistério do seu Amor. Já desde a espiritualidade medieval, com São Boaventura, São Bernardo ou São Tomás, se faz uma referência explícita ao Coração de Jesus. Só no século XIV se começa a impor uma iconografia sempre relacionada com o acontecimento da Paixão, Morte e Ressurreição.

Até ao século XVI, difundem-se de modo muito forte as imagens associadas às Cinco Chagas do Senhor bem como o coração ligado ao monograma de Cristo. Durante este período não se pode perder de vista a intencionalidade do culto do Sagrado Coração de Jesus ligado ao acontecimento da sua Paixão. A primeira festa litúrgica relacionada com o Coração de Jesus remonta a 1353 com o Papa Inocêncio VI. Tratava-se da Festa da Santa Lança numa óbvia relação com a Paixão e com o Lado Aberto.

O século XV assume uma postura mais intensa. O Sangue redentor de Cristo é assumido como a expressão sublime dessa entrega e Amor. É nesta época, entrando pelo século XVI, que surge a prensa mística. Cristo é representado num lagar onde o próprio Cristo substitui as uvas e o vinho é o sangue. Em muitos casos é o Coração de Cristo que ocupa lugar no lagar místico donde sai com abundância o sangue derramado.

Nesta lógica, a espiritualidade expressa em imagens, vai-se aproximando muito do grande ponto de divulgação de uma imagem comum que terá lugar no século XVII com as aparições de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque. Ela própria descreve a visão como um coração ferido, colocado como que sobre um trono flamejante e coroado de espinhos. Esta representação do Coração de Jesus torna-se a mais comum e mais divulgada até aos dias de hoje.

Se inicialmente a autoridade eclesiástica manifestou algumas dificuldades em concordar com este tipo de representação, rapidamente ela se impôs e difundiu. O coração ferido, fogoso e coroado de espinhos não deixa de ser uma continuação desta alusão explícita à Paixão e Morte de Cristo. A divulgação da imagem de Jesus com as chagas, uma indicação imediata da Ressurreição, e com o Coração sobre o peito com as características anteriormente salientadas, com um gesto indicador em relação ao Coração que exibe exteriormente, acabam por ser o culminar de um longo percurso iconográfico que nunca deixou de se aproximar do Mistério fundamental: o do Amor. O coração refere-se à pessoa. Pena é que nem sempre a imagem que pretende representar o Coração de Jesus seja a digna alusão a esse mistério. Quantas vezes nos deparamos com imagens que não deixam passar a mensagem da fé, ficando mesmo muito aquém de uma simples afirmação de piedade ou devoção, e transformando-se em verdadeiras contra-mensagens.

A imagem do Coração de Jesus, tal como a que é venerada hoje, teve grande incremento a partir da famosa pintura de Pompeo Battoni (1708-1787) que se conserva na Igreja del Gesù, em Roma, dando origem a inúmeras réplicas bem como a novas representações sempre com as mesmas características, mudando as expressões ou os gestos.

A imagem do crucificado, o lado aberto tocado por Tomé, a ferida que jorra sangue e água, as chagas de Cristo, o monograma de Cristo em representação gloriosa, o coração flamejante, ferido e coroado de espinhos foram sempre uma alusão ao dom amoroso e misericordioso de Cristo. O Ressuscitado que ostenta o coração, símbolo do amor e misericórdia, de oferecimento, reúne todas as características do convite que Jesus faz: «Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos, que Eu hei-de aliviar-vos. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito» (Mt 11, 28-29).

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