DOMINGO XV COMUM Ano C
“Quem é o meu próximo?”
Lc 10, 29
Aprendi, nestes dias, com Dory e com Hank o que é a falta de memória de curto prazo e o que se perde por demasiada planificação. Antes de mais, Dory, uma pequena “peixe cirurgião-paleta”, e Hank, um ágil e surpreendente polvo, são dois dos personagens da mais recente animação da Disney/Pixar, intitulada “À procura de Dory”. Nela reencontramos o pequeno Nemo e Merlim, seu pai, “peixes-palhaço” que nos tinham enternecido no filme “À procura de Nemo”, em novas aventuras. E não resisto em partilhar convosco não só a beleza visual, mas toda a qualidade narrativa deste filme. Até na leitura da parábola do Bom samaritano me guiaram.
Dory esquece-se facilmente de tudo. Já assim era no primeiro filme, mas quando se decide a procurar os seus pais e as suas origens, só com a ajuda de ténues lembranças, nada a pode demover. Excepto, esquecer-se que os procura! Bem esquecidos do coração da Lei estavam o sacerdote e o levita quando passaram ao lado do homem meio-morto, no caminho de Jerusalém para Jericó. Tinham esquecido a compaixão e a misericórdia com os mais fracos, com os doentes. Tiveram, porventura, receio de ficarem impuros ao tocar em alguém ferido ou, quem sabe, morto. Vinham ou iam para a liturgia do Templo? Dirá mais tarde o Talmude: “Se o sumo sacerdote, quando se dirige para o Templo para celebrar o Yôm Kippûr, se vem a deparar com um cadáver, não deve hesitar em ‘tornar-se impuro’ no contacto com o cadáver, porque a ‘misericórdia da verdade’ prevalece sobre a liturgia do Yôm Kippûr.” Faltou-lhes a “misericórdia da verdade”, aquela que não busca retribuição, que sabe ver quem precisa mesmo que não esteja caído no caminho de Jerusalém a Jericó, mas habita connosco, vive no mesmo prédio, trabalha ao nosso lado. Esquecer e passar indiferente é distanciarmo-nos de Deus!
Hank tem um plano. Tudo faz para o alcançar e mesmo a ajuda oferecida a Dory é em função dele. Perante a hipótese de uma vida livre e sem medos, Dory mostra-lhe como a sua vida cheia de surpresas e imprevistos, de soluções que tem de procurar em cada momento, lhe deu a conhecer o melhor. O sacerdote, o levita e o samaritano tinham planos de viagem. Apenas o samaritano adiou o seu, e abraçou o inesperado plano de cuidar daquele desfavorecido, tão bem expresso em vários verbos: “ver”, “encher-se de compaixão”, “ligar”, “deitar”, “colocar”, “levar” e “cuidar”. É o amor em acção, sem outro interesse que o de socorrer, independentemente da sua condição social ou cultural. Quanto excesso de planificação adormece o encanto em responder aos pequenos-grandes apelos de Deus? Quantos projectos de grandeza e ostentação, de busca de poder e de prestígio, têm atrofiado o nosso testemunho de cristãos e de Igreja? Para o maior bem daquele homem, o samaritano soube também contar com ajuda do estalajadeiro, alargou a outros a possibilidade de fazer o bem. Somos capazes de vislumbrar o plano de Deus para lá da muralha dos nossos planos?
Dory e os seus amigos oferecem-nos outras pequenas lições de vida. Não esquecer o importante, e não colocar nenhum plano à frente da possibilidade de ser próximo podem ser dois deles. Outros podem ser descobertos. Se tivermos o gosto da procura!
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