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Entrevista ao padre Manuel da Costa Freitas: ?São cada vez menos os cientistas que vêem uma contradição entre fé e razão?
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“A ciência procura ter argumentos para as afirmações e para as ideias com as quais lida. A fé tem também uma base de raciocínio, de discussão, de apuramento da verdade ao nível da capacidade da razão”. As palavras são do padre Manuel da Costa Freitas, coordenador da edição portuguesa da “Enciclopédia Interdisciplinar de Ciência e Fé”. Em entrevista ao JORNAL W, este sacerdote franciscano garante que “a razão está sempre presente, mesmo na fé”. Na continuidade da reflexão sobre a fé e a razão, o padre Freitas não acredita em incompatibilidade ciência-fé e diz mesmo que “são cada vez em menor número os cientistas que vêem uma contradição entre fé e razão”.

A “Enciclopédia Interdisciplinar de Ciência e Fé” é uma obra que, segundo a apresentação, “surge num contexto propício a clarificar a compatibilidade entre ciência e fé”. Qual é, efectivamente, a compatibilidade ciência-fé?

Em Portugal, discute-se com mais frequência essa compatibilidade do que no estrangeiro. Ao nível internacional é cada vez mais pacífica a ideia de que há compatibilidade entre ciência e fé. Isso é o mais frequente no âmbito internacional, entre cientistas verdadeiros e também teólogos verdadeiros. Não é, digamos assim, activo e constante, esta ideia da antinomia entre a fé e a razão.

A razão está sempre presente, mesmo na fé; assim como na ciência também está presente muita coisa do espírito, porque pensa, discute, argumenta. Nas Academias, isto é, nos grupos internacionais que se constituem – algumas inclusive com o apoio da Santa Sé – há a autonomia da ciência e a autonomia da fé. A ciência procura ter argumentos para as afirmações e para as ideias com as quais lida. A fé tem também uma base de raciocínio, de discussão, de apuramento da verdade ao nível da capacidade da razão. Só que neste campo, a razão fornece argumentos para afirmar e aceitar a fé. Mas estes não são argumentos de natureza científica, porque a ciência tem alguma argumentação que lida mais com as realidades materiais, mais próximas e tudo isso são princípios nos quais se baseia. Mas isso não impede, uma vez que o homem tem capacidades que ultrapassam a matéria, que se vá mais além, que possa até aferir os conhecimentos que lhe são ministrados pela teologia, raciocinando, pensando discutindo, servindo-se até, por vezes, da ciência. Ambas têm verdades e raciocínios no seu seio e são cada vez em menor número os cientistas que vêem uma contradição entre fé e razão.

 

As relações entre a verdade religiosa e a verdade científica são temas de frequentes debates. Ciência e fé podem então ter um diálogo possível.

O raciocínio sobre a ciência é de natureza diferente da do raciocínio que se aplica na teologia. Santo Agostinho, que tem afirmações taxativas a este respeito, diz que “a fé precede a própria razão”. E porquê? Porque tem de lidar primeiro, antes de se pronunciar sobre realidades que tem debaixo dos olhos, sobre a metodologia utilizada para chegar a essa conclusão. Mesmo quando estamos numa atmosfera de fé, os elementos que estão incluídos na fé são de uma natureza diferenciada. Só podemos lidar com a fé sabendo que ela existe. E existe aonde? A fé, ainda antes de termos analisado com toda a profundidade, ainda antes de termos chegado a uma conclusão que afirma a veracidade daquilo que é o conteúdo da fé, faz com que a fé esteja presente. Até porque é ela que vai provocar a discussão. Não partimos do nada absoluto. Só podemos falar de fé se conhecermos alguma coisa, porque a fé também é uma afirmação. Portanto, para podermos discutir e aprofundar a fé em si mesma, temos de saber primeiro o que é a fé de algum modo. Aqui está, logo à partida, eliminada toda e qualquer heteronomia e até incompatibilidade ciência-fé.

 

Voltaire (1694-1778), racionalista e considerado um inimigo sagaz da fé católica, foi ‘obrigado’ a dizer: “O mundo perturba-me e não posso imaginar que este relógio funcione e não tenha tido relojoeiro”. Passados mais de duzentos anos desta afirmação, o que responderia a um cientista que afirme haver no mundo apenas matéria?

Voltaire afirmar que tem dúvidas significa que o seu ateísmo, a sua recusa em aceitar a fé, está posta também em causa. Voltaire é mais um deísta do que propriamente um ateu. Deísta quer dizer que dá a Deus fisionomias – no caso espirituais – e maneiras de ser e de se apresentar. O ser deísta já retira a qualidade de ateu.

Agora, se um cientista afirmar que no mundo há apenas matéria, ele só pode fazer tal afirmação por preguiça, por conveniência, por ignorância e por superficialidade.

 

As pesquisas científicas poderão um dia provar a existência de Deus?

Não, porque ela está provada! Com isto, está aí presente um tipo de demonstração que seria infalível. E seria, mais ou menos, a maneira de ver e de abordar essa pessoa ou esse ser, de uma maneira vivida, sensível porque senão não faz sentido. Poderá um dia provar a existência de Deus? Se existem já tantas provas…

Deus, no cristianismo, é uma realidade que excede totalmente a realidade humana.

 

 

 

Três perguntas a João Guedes, director editorial da Verbo

 

Porque é que a Editorial Verbo decidiu lançar a obra “Enciclopédia Interdisciplinar de Ciência e Fé”?

A Enciclopédia foi feita para mostrar que a ciência e a fé podem ter – e devem ter – um diálogo. Esta obra é um conjunto seleccionado de temas, que interessam principalmente à ciência e à fé, onde foi dado predominância à escolha de temas em que pudesse haver esse diálogo.

 

Esta é uma obra que ajuda a clarificar a compatibilidade entre ciência e fé?

Os crentes precisam de saber que essa compatibilidade existe. Ao mesmo tempo, é importante que os crentes queiram debater os assuntos. Há uma procura desta unidade do saber e esperamos que esta Enciclopédia contribua para tal.

 

A coordenação da edição portuguesa da “Enciclopédia Interdisciplinar de Ciência e Fé” foi feita pelo padre Manuel da Costa Freitas, juntamente com um grupo de docentes e investigadores: António Amaral, Inês Bolinhas, João Gama. Artur Morão, Américo Pereira e José da Silva Rosa.

A maior parte dos autores são professores universitários, muitos deles com dois graus universitários: um, numa cientifica e outro numa área humanística. E todos com uma base de formação religiosa católica. São pessoas que têm esse diálogo dentro deles e que o passaram para a Enciclopédia.

 

 

 

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