O mistério do traidor
João não nos oferece nenhuma interpretação psicológica do comportamento de Judas; o único ponto de referência que nos dá é a alusão ao facto de que Judas, como tesoureiro do grupo dos discípulos, teria roubado o seu dinheiro (cf. 12, 6). No contexto que nos interessa, o evangelista limita-se a dizer laconicamente: «E, logo após o bocado, entrou nele Satanás» (13, 27).
Para João, aquilo que aconteceu a Judas já não é explicável psicologicamente. Acabou sob o domínio de outrem: quem rompe a amizade com Jesus, quem se recusa a carregar o seu «jugo suave» não chega à liberdade, não se torna livre, antes pelo contrário torna-se escravo de outras potências; ou mesmo: o facto de atraiçoar essa amizade já resulta da intervenção de outro poder, ao qual se abriu.
Entretanto a luz, vinda de Jesus, que caíra na alma de Judas não se tinha apagado totalmente. Há um primeiro passo rumo à conversão: «Pequei» – diz ele aos seus mandantes. Procura salvar Jesus, devolvendo o dinheiro (cf. Mt 27, 3-5). Tudo o que de grande e puro recebera de Jesus permanecia gravado na sua alma; não podia esquecê-lo.
A segunda tragédia dele, depois da traição, é já não conseguir acreditar num perdão. O seu arrependimento torna-se desespero. Já só se vê a si mesmo e às suas trevas, já não vê a luz de Jesus – aquela luz que pode iluminar e vencer as próprias trevas. Deste modo faz-nos ver a forma errada do arrependimento: um arrependimento que já não consegue esperar, mas só vê a própria obscuridade, é destrutivo, não é um verdadeiro arrependimento. Faz parte do justo arrependimento a certeza da esperança – uma certeza que nasce da fé no poder maior da Luz que Se fez carne em Jesus.
João conclui dramaticamente o trecho sobre Judas com estas palavras: «[Judas] tendo tomado o bocado de pão, saiu logo. Fazia-se noite» (13, 30). Judas vai para fora num sentido mais profundo: entra na noite, vai-se embora da luz para a escuridão. O «poder das trevas» apoderou-se dele (cf. Jo 3, 19; Lc 22, 53).
A data da Última Ceia
Mas então o que foi, verdadeiramente, a Última Ceia de Jesus? E como se chegou à concepção, seguramente muito antiga, do seu carácter pascal? A resposta de Meier é surpreendentemente simples e, sob muitos aspectos, convincente. Jesus estava consciente da sua morte iminente; sabia que não mais iria poder comer a Páscoa. Nesta clara certeza, convidou os seus para uma Última Ceia de carácter muito particular, uma Ceia que não pertencia a nenhum rito judaico determinado, mas era a sua despedida, na qual Ele deu algo novo, isto é, Se deu a Si mesmo como o verdadeiro Cordeiro, instituindo assim a sua Páscoa.
Em todos os Evangelhos sinópticos fazem parte desta Ceia as profecias de Jesus sobre a sua morte e sobre a sua ressurreição. Em Lucas, elas assumem uma forma particularmente solene e misteriosa: «Tenho ardentemente desejado comer esta Páscoa convosco, antes de padecer, pois digo-vos que já não a voltarei a comer até ela ter pleno cumprimento no Reino de Deus» (22, 15-16). A frase permanece equívoca: pode significar que Jesus come, pela última vez, a Páscoa habitual com os seus; mas pode significar também que já não a come mais, encaminhando-se para a nova Páscoa.
Um dado é evidente em toda a tradição: o essencial desta Ceia de despedida não foi a Páscoa antiga, mas a novidade que Jesus realizou neste contexto. Mesmo se esta refeição de Jesus com os Doze não foi uma ceia pascal segundo as prescrições rituais do judaísmo, num olhar retrospectivo tornou-se evidente, com a morte e a ressurreição de Jesus, o significado intrínseco do todo: era a Páscoa de Jesus. E, neste sentido, Ele celebrou a Páscoa e não a celebrou. Os ritos antigos não podiam ser praticados; quando chegou o momento, Jesus já estava morto. Mas Ele entregara-Se a Si mesmo e assim tinha celebrado com eles verdadeiramente a Páscoa. Desta forma, o antigo não tinha sido negado, mas – e só assim poderia ser – levado ao seu sentido pleno.
O primeiro testemunho desta visão unificadora do novo e do antigo que é operada pela nova interpretação da Ceia de Jesus em relação com a Páscoa no contexto das suas morte e ressurreição encontra-se em Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios 5, 7: «Purificai-vos do velho fermento, para serdes uma nova massa, já que sois pães ázimos. Pois Cristo, nossa Páscoa, foi imolado» (cf. Meier, A Marginal Jew, I, p. 429 s.). Como em Marcos 14, 1, também aqui se sucedem o primeiro dia dos Ázimos e a Páscoa, mas o sentido ritual de então é transformado num significado cristológico e existencial. Agora, os «ázimos» devem ser os próprios cristãos, libertados do fermento do pecado. E o Cordeiro imolado é Cristo. Nisto, Paulo concorda perfeitamente com a descrição joanina dos acontecimentos. Assim, para ele, morte e ressurreição de Cristo tornaram-se a Páscoa que permanece.
Com base nisto, pode-se compreender como a Última Ceia de Jesus – que não era só um prenúncio, mas nos dons eucarísticos compreendia também uma antecipação de cruz e ressurreição – bem depressa acabou por ser considerada como Páscoa, como a sua Páscoa. E era-o verdadeiramente.
Jesus diante de Pilatos
No diálogo entre Jesus e Pilatos, trata-se da realeza de Jesus e, consequentemente, da realeza e do «Reino» de Deus. Precisamente no diálogo de Jesus com Pilatos, torna-se evidente que não existe nenhuma ruptura entre o anúncio de Jesus na Galileia – o Reino de Deus – e os seus discursos em Jerusalém. O centro da mensagem até à cruz – até à inscrição na cruz – é o Reino de Deus, a nova realeza que Jesus representa. Mas o centro dessa realeza é a Verdade. A realeza anunciada por Jesus nas parábolas e, por fim, de modo totalmente aberto diante do juiz terreno é, precisamente, a realeza da Verdade. A instauração desta realeza como verdadeira libertação do homem é o que interessa.
Ao mesmo tempo, torna-se evidente que não há nenhuma contradição entre a focalização pré-pascal no Reino de Deus e a focalização pós-pascal na fé em Jesus Cristo como Filho de Deus. Em Cristo, entrou no mundo Deus, a Verdade. A cristologia é o anúncio concretizado do Reino de Deus.
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Apresentação do livro
«No gesto das mãos abençoadoras exprime-se a relação duradoura de Jesus com os seus discípulos, com o mundo. Ao partir, Ele ergue-nos acima de nós mesmos e abre o mundo a Deus. Por isso os discípulos puderam transbordar de alegria quando voltaram de Betânia para casa. Na fé, sabemos que Jesus, abençoando, tem as suas mãos estendidas sobre nós. Tal é a razão permanente da alegria cristã.»
«Posso finalmente trazer a público a II Parte do meu livro sobre Jesus de Nazaré. (…) Embora continue, naturalmente, a haver detalhes a discutir, todavia espero que me tenha sido concedido aproximar-me da figura de Nosso Senhor de um modo que possa ser útil a todos os leitores que queiram encontrar Jesus e acreditar n’Ele.»
(Prefácio)
Capítulos da obra
- Capítulo I: Entrada em Jerusalém e purificação do templo
- Capítulo II: O discurso escatológico de Jesus
- Capítulo III: O lava-pés
- Capítulo IV: A oração sacerdotal de Jesus
- Capítulo V: A Última Ceia
- Capítulo VI: Getsémani
- Capítulo VII: O processo de Jesus
- Capítulo VIII: A crucifixão e a deposição de Jesus no sepulcro
- Capítulo IX: A ressurreição de Jesus da morte
- Perspectivas: Subiu aos Céus, onde está sentado à direita do Pai, e de novo há-de vir em sua glória
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D. José Policarpo apresenta livro em Lisboa
O novo livro do Papa ‘Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até à Ressurreição’, que estará disponível a partir de dia 11 de Março em todas as livrarias do país, vai ser apresentado em Lisboa pelo Cardeal-Patriarca, D. José Policarpo. Será na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, pelas 18h30, no próprio dia 11.
A apresentação mundial do livro vai decorrer no Vaticano, no próximo dia 10 de Março.
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