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Guilherme d'Oliveira Martins
O método sinodal deve prosseguir

Para o Cardeal D. José Tolentino Mendonça, “uma Igreja maníaca da organização e da ordem, obcecada pelo regime da pureza distancia as pessoas. Torna-se um lugar de cerimónia, estático e correto como um museu, mas deixa de ser um território de celebração da vida, atravessado pelo quotidiano, pela sua turbulência e pelas suas pegadas. Fica sequestrada pelo formalismo e pelo zelo, em vez da misericórdia e da alegria” (A Vida em Nós, Aforismos, Quetzal, 2024, p. 31). A afirmação é muito oportuna e leva-nos a elogiar a preferência pelo método sinodal, defendido pelo Papa Francisco. E a essa luz devemos ler as reflexões produzidas na reunião magna recentemente terminada.

O Documento Final do Sínodo dos Bispos merece uma especial atenção e uma leitura cuidada. Saliente-se, antes do mais, a tendência para não referir de modo fechado uma Igreja universal, preferindo-se a fórmula multinacional e a lógica de rede com diversas ramificações periféricas. Torna-se, de facto, necessária uma linguagem adequada ao tempo presente: há uma comunhão de Igrejas, reportando-nos ao povo de Deus, como corpo unido em Cristo. O universalismo não pode, assim, confundir-se com uniformização. As igrejas locais correspondem a diferentes maneiras de viver as relações entre cristãos. Deste modo, quando o Papa Francisco afirma que o Documento sinodal “não é normativo”, prefere indicar um caminho a ser tomada por todos juntos na pluralidade que caracteriza a Igreja de Cristo. “Não se trata, portanto, de leis vindas de uma instância central para serem adaptadas nas periferias, mas de responder a um apelo à conversão, ou seja, a viver as relações eclesiais de modo diferente”. Há pontos que constituem fermento na massa, para fazer crescer a Igreja como realidade missionária. Os cristãos estão reunidos enquanto peregrinos, respondendo e dando testemunho num mundo global. As diferenças e as complementaridades devem ser valorizadas, mercê de uma riqueza que deve ser compreendida como compromisso de fé.

“Devemos tornar-nos uma espécie de centro no qual as diferentes pessoas possam reconhecer-se como irmãos e irmãs, filhos de um único Pai”. No número 76 do Documento Final especifica-se que “não se trata de contrastar o que o ministro ordenado pode fazer em contraste com o que leigo pode fazer”. Estamos perante uma ideia diferenciada de serviço, que pode ser vivida de forma integrada e dinâmica, não sendo os leigos subalternos ou substitutos. Isto aplica-se nas áreas mais remotas, mas também na Europa bastante secularizada onde devemos pensar em alargar a participação dos cristãos, uma vez que a Igreja deve ser entendida não numa visão piramidal, mas comunitária. Na liturgia, este tema é um dos que ainda devem ser avaliados, não havendo uma ideia de substituir presbíteros por leigos. No entanto, onde for apropriado deve haver uma liturgia mais participativa. Aliás, a importância da Eucaristia dominical teve especial destaque nos trabalhos sinodais, como “um lugar onde se aprende e também se pode compreender simbolicamente o que significa construir comunidades que vivam autenticamente o Evangelho”. Quanto ao diaconato feminino, persiste como questão em aberto. A participação das mulheres na Igreja tem de ser alvo de especial atenção. Há experiências já existentes que merecem aprofundamento. Teremos de considerar os vários contextos. Em muitos seminários a participação de famílias, homens e mulheres que não são membros do clero é ativa. Não podemos assim desvalorizar a contribuição que as mulheres podem dar. Há experiências já existentes de participação e de compromisso que têm de ser consideradas. Na América Latina há dons, carismas e ministérios que já estão em vigor e que a Assembleia Sinodal considerou. A questão em aberto, continua a merecer atenção.

Entretanto, os dez “Grupos de Estudo” criados pelo Sínodo concluirão seu trabalho em junho, devendo ter um encaminhamento para as Conferências episcopais: afinal, o Papa disse que quer continuar a ouvi-las, não para desvalorizar as decisões, mas para dar mais tempo para a sua reflexão. São estes os temas considerados relevantes na perspetiva sinodal missionária: 1. Alguns aspetos das relações entre Igrejas Orientais Católicas e Igreja Latina; 2. A escuta do grito dos pobres; 3. A missão no ambiente digital; 4. A revisão da Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis; 5. Algumas questões teológicas e canónicas em torno das formas ministeriais; 6. A revisão dos documentos que regulam as relações entre bispos, vida consagrada e realidades eclesiais; 7. Alguns aspetos da figura e do ministério do bispo (em particular: critérios de seleção dos candidatos ao episcopado) 8. O papel dos representantes pontifícios; 9. Critérios teológicos e metodologias sinodais para um discernimento partilhado de questões doutrinais, pastorais e éticas controversas; 10. A receção dos frutos do caminho ecuménico nas práticas eclesiais. São temas de grande significado que merecem uma ponderação refletida, importando, no fundo, dar continuidade ao método, com abertura efetiva à participação e à partilha de responsabilidades dos cristãos.

 

Guilherme d’Oliveira Martins
Foto: Synod.va