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Ilusões, confusões e contradições
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Estava montada uma feérica feira de ilusões…
De repente, lá de longe, dos Estados Unidos, veio a crise. Apanhado um tanto desprevenido, o Governo reagiu como pôde, não sem primeiro tentar convencer os portugueses de que as coisas não eram tão más como as pintavam os maldizentes do costume. Mas eram. E de medida em medida, a maior parte tomadas soltas, ao sabor do momento, em vez de numa perspectiva global, o défice disparou para valores impensáveis, tão impensáveis que – o tempo era de eleições… – se tentou escamoteá-los da opinião pública até ao limite do possível.
Mais tarde, há apenas uns meses, vieram o Orçamento de Estado para 2010 e o PEC, um e outro nada credíveis – e que mais não conseguiram do que acabar por confirmar que a feira de ilusões continuava aberta, ainda que a provocar já uma certa desconfiança. É que alguns sinais, como o desemprego galopante, começavam a deixar os cidadãos de olhos e ouvidos mais abertos e atentos…
Estavam as coisas neste pé, quando estalou, em cima da crise, uma outra crise, ainda mais inesperada e súbita – se bem que, refira-se, o mundo não tenha mudado numa semana, como afirmou o Primeiro-ministro, procurando justificar as novas medidas que tinha de anunciar e o obrigavam a desdizer o que dissera dias ou horas antes…
Foi o choque com a realidade pura e dura. Violento, surpreendente como uma pedrada, desta vez, inevitável. E, no entanto, a realidade, sempre estivera à vista de quem quisesse – ou fosse capaz – de a ver.
Ainda abalado pelo embate e pelo espanto, o Governo reagiu mal – e mergulhou, a esbracejar, num pântano de estranhas confusões e contradições. De tal forma, que, do que ontem se disse e hoje se desmentiu, do pouco que se explicou e quase nada se entendeu, ficou uma única certeza: mais uma vez, a crise abatia-se sobre os que estavam mais à mão e acabavam sempre por pagar a factura, ou seja, a classe média em toda a sua extensão.
É claro que isto não significa que teria sido possível ao país chegar-se para o lado, deixar passar a crise e dizer-lhe adeus. Não, não teria sido possível. E que a situação é muito séria, disso não se duvida. Mas uma coisa é certa: não é com ilusões que se governa. É com a verdade. A verdade nua, crua e cristalina. O que é importante é dizer aos cidadãos, a tempo e horas, o que eles precisam de ouvir e não o que eles querem ouvir. O contrário, o alimentar de ilusões, poderá dar dividendos políticos a curto prazo, mas acabará por se pagar caro mais dia, menos dia.
Os portugueses, na sua maioria, andaram iludidos por tempo demais. E quando as ilusões se desfizeram em pó, ficaram apenas a incompreensão e a impotência. O que já não se aceita de bom grado torna-se, então, praticamente inaceitável. Com os custos psicológicos que se adivinham e que, não sendo contabilizáveis nem controláveis, só podem dificultar a resposta colectiva a dar a um mais do que certo aumento do desemprego e da pobreza, acima de tudo dessa dramática pobreza que dá pelo nome de envergonhada.
Pena é que, de novo, à boa maneira socialista, se tenha privilegiado para atacar a crise, o aumento de impostos, em vez de se procurar diminuir a despesa, atacando os desperdícios insustentáveis de um Estado demasiado gordo e pesado e acabando, por exemplo, com institutos, consultadorias e comissões de utilidade mais do que duvidosa, muitos deles criados apenas para satisfazer interesses das clientelas partidárias.
Resta ter a esperança – ou melhor, é imperioso ter a esperança – de que os sacrifícios agora pedidos possam servir de alicerce a um futuro melhor, ainda que a longo prazo.
Sobretudo, um futuro que não seja, tão-somente, mais uma ilusão…